A boa notícia é que a tese segundo a qual o Enem passou a ter a cara do governo Bolsonaro era apenas mais uma mentira do presidente da República. A prova aplicada neste domingo tinha muitas coisas, exceto o semblante do governo. A má notícia é que Bolsonaro não deve desistir do projeto de converter o Enem numa deformidade à imagem e semelhança da sua administração.
Numa entrevista em que festejou o êxito do primeiro dia do exame e a baixa abstenção de 26,4%, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, soou tóxico ao negar novamente a interferência do governo. Em vez de enaltecer a qualidade da prova, o ministro declarou o seguinte: "Se tivesse nossa ingerência, pode ser que algumas perguntas não estivessem ali".
A redação teve como tema um problema que o governo negligencia: a invisibilidade dos brasileiros que não dispõe de documentos. As 90 questões deixaram alguns temas importantes de fora. Entre eles a pandemia e a fome. Mas havia na prova perguntas que levaram os estudantes a refletir sobre problemas que Bolsonaro jura que não existem. Por exemplo: ameaças às populações indígenas, racismo, minorias vulneráveis e disfunções do capitalismo.
Havia também no exame questões formuladas a partir de obras de artistas que Bolsonaro abomina, como Chico Buarque e Gonzaguinha. Utilizou-se como mote até mesmo a canção "Admirável Mundo Novo", em cujo refrão Zé Ramalho menciona uma "vida de gado" que os críticos do capitão costumam evocar quanto se referem aos bolsonaristas que o cultuam como um mito. Está aberta a contagem regressiva para a reação do presidente. Os próximos ataques de Bolsonaro soarão como evidência de que será necessário redobrar os esforços para blindar o próximo Enem.
Por Josias de Souza
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