Bolsonaro durante abertura da embaixada brasileira em Bahrein. No Brasil, só as traições mútlplas o contemplam Imagem: Valdenio Vieira/Agência Brasil |
O presidente Jair Bolsonaro tem de se preparar para ser o homem mais traído do Brasil se quiser disputar a eleição por um partido de porte médio — ou uma soma deles. A propósito: na Câmara, só restou uma legenda que se pode dizer grande, até porque coesa: o PT. Conta com 53 deputados, que votam como ordem unida quando assim se decide. De igual tamanho, o PSL se divide entre bolsonaristas e não bolsonaristas. Parte vai se fundir ao DEM, no tal União Brasil. A legenda tende a nascer vistosa, mas não robusta: será impossível fechar questão por ali.
Para onde vai Bolsonaro? Eis o busílis. Ele não quer entrar num partido, mas comprar um. Ocorre que Valdemar Costa Neto aluga. Afinal, o presidente é só o que passa. Tem mais futuro do pretérito do que do presente. Já o "Boy" é permanente enquanto durar o atual modelo. O PL conta com 43 deputados. Poderia ganhar perto de 30 com a adesão dos bolsonaristas oriundos de ex-DEM, ex-PSL e outros rebotalhos.
O número seria vistoso, sim. Mas requer a revalidação nas urnas. Em princípio, Bolsonaro conta com a possibilidade de juntar PL, PP e Republicanos. Só essa união, segundo os critérios em vigor, renderia ao grupo R$ 376 milhões do Fundo Eleitoral, tomando como base um total de R$ 2,128 bilhões, valor que deve ser corrigido. E ainda poderia haver o acréscimo de pequenas legendas.
Bolsonaro já sabe que 2022 não é 2018. Aquele transe é irrepetível. Sem recursos e tempo no horário eleitoral, será esmagado. Precisa estruturar uma aliança forte. Daquela bolada, quanto seria efetivamente destinado à campanha presidencial? As legendas acima listadas têm, vamos dizer, "donos". Não se trata de uma terra a ser colonizada pela "família Bolsonaro", como era o antigo PSL, que entregou o comando do partido ao então candidato.
Essa turma do centrão dará ao presidente tempo de televisão, uma fatia considerável de recursos, mas não fidelidade. Existem as alianças regionais, e Bolsonaro nada pode fazer a respeito. Ainda que Costa Neto descumpra a palavra já empenhada em alguns Estados, convenham: uma coisa é falar; outra, distinta, é fazer.
Bolsonaro já namorou com os pequenos PTB (10 deputados) e Patriota (6). Poderia tentar espichar os olhos para os 11 do PSC. Já nessas pequenas bancadas seria difícil impor a unidade que anseia. Ocorre que teria, reitere-se, de concorrer por uma coligação — ou lhe faltarão os recursos.
Os grandes do Centrão (PP, PL e Republicanos) estão, sim, dispostos a fechar com Bolsonaro no pleito do ano que vem, desde que possam fazer suas alianças regionais. Imaginar que vão se comportar como igrejas do bolsonarismo ortodoxo... Ah, não existe o menor perigo de que venha a acontecer.
Bolsonaro, vê-se, está disposto a fazer estripulias orçamentárias num esforço de reverter o desgaste. Não está fácil. "Estimativas realizadas pela Quaest Consultoria a partir de dados da pesquisa Genial/Quaest apontam que o governo Bolsonaro é avaliado negativamente por mais de 60% do eleitorado na Bahia e Pernambuco e mais de 50% em outros 18 estados", informa reportagem da Folha.
Os números são dramáticos: essa avaliação negativa é de 69% na Bahia e de 61% em Pernambuco. Em 11 Estados, fica entre 59% e 55% — 56% em São Paulo, o Estado com o maior eleitorado. Em 7 unidades da federação, situa-se entre 54% e 51%, destacando-se aí, respectivamente, o segundo e o terceiro maiores eleitorados: 54% no Rio e em Minas. Em seis outros, fica entre 49% e 40%. O estado nordestino com o menor índice negativo é a Paraíba: 54%.
Bolsonaro gosta de comparar o seu ingresso em uma legenda a "casamento" — e sugere que é preciso haver fidelidade. Na vida matrimonial, ele já está no terceiro enlace; na partidária, caminha para o sexto.
Dado o conjunto da obra, não há menor chance de que não venha a ser traído. Os partidos têm seus interesses. Querem, sim, as facilidades que a base do governo lhes oferece em emendas, mas não vão correr riscos pelo presidente. Até porque, mesmo no centrão, são poucos os políticos que compartilham o impressionante coquetel de reacionarismos professados pelo presidente.
Bolsonaro deve prestar atenção ao que afirmou Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, que já pensou em abrigar o presidente:
"[as portas do PP] nunca estiveram fechadas [ao presidente] nem posso dizer que continuam abertas. Como filiado, se for uma decisão do partido, estará certo, e, se não for, estará certo da mesma forma. O partido continua na base aliada.".
Entenderam?
Continua na base aliada, mas decide seu próprio destino.
E o próprio Lira deu a natureza das dificuldades da filiação de Bolsonaro ao PL:
"Não será diferente em relação a uma possível filiação ou não do presidente da República ao meu partido ou a um partido aliado: muitas negociações principalmente com relação aos diretórios regionais, aos espaços dentro do partido".
Vale dizer: Bolsonaro tem de se preparar para um casamento sem fidelidade. Tem tudo para ser o homem mais traído do Brasil.
No fim das contas, o presidente se atrapalhou na tentativa de criar o seu "Aliança Brasil". As milícias digitais, parece, não gostam de assinar termos de compromisso. Ademais, Bolsonaro caiu no conto de que não precisaria criar a sua própria legenda porque teria a turma do centrão sempre com ele.
Escreveu Fernando Pessoa num dos poemas de "Mensagem": "Os Deuses vendem quando dão./ Compra-se a glória com desgraça."
O centrão nem chega a vender. Apenas aluga.
Por Reinaldo Azevedo
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