Deputada Bia Kicis, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Ela resolveu fazer feitiçaria para interferir no STF. Não vai prosperar Imagem: Michel Jesus/Câmara dos Deputados |
Poderia começar por um velho clichê: "O Brasil não é para amadores". Pois é. Creio que profissionais de verdade não fariam o que se fez na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na terça. No mesmo dia, o grupo aprovou a aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo aos 70 — hoje é 75 — e o limite de 70 anos para nomear ministros do tribunal; atualmente, é de 65. "Mas uma coisa, na prática, não nega a outra?" Resposta: sim! A desculpa é que a comissão apenas avalia a constitucionalidade, sem entrar no mérito. Sei. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa, já avisou que a primeira proposta não prospera. A segunda já começou a andar.
A primeira PEC é da bolsonarista ortodoxa Bia Kicis (PSL-DF), que preside a comissão. O texto passou com folga: 35 votos a 24. Se fosse aprovado pelo Congresso no ano que vem — são necessárias duas votações em cada Casa —, os ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que se aposentam em 2023, teriam de deixar o Supremo, o que permitiria a Jair Bolsonaro fazer mais duas indicações para o tribunal ainda que não seja reeleito.
O presidente já indicou Nunes Marques. André Mendonça deve ser sabatinado em breve — já chego lá. É claro que se trata de uma tentativa de aumentar a influência de Bolsonaro na corte. O placar alargado indica que seus partidários e a turma do centrão resolveram se vingar da suspensão do Orçamento Secreto. Os parlamentares do PSL (7), PL (4) e Republicanos (2) foram unanimemente favoráveis. Houve um único "não" por legenda no PP (5), DEM (4) e PSD (5).
Mais uma vez, representantes de partidos ditos de oposição votaram de acordo com os interesses de Bolsonaro: houve um "sim" no PSDB (3) — de Lucas Redecker, que preside o partido no Rio Grande do Sul — e dois no PDT (3): Félix Mendonça Jr. (BA) e Pompeo de Mattos (RS). O único representante do Cidadania também concordou com a proposta: Rubens Bueno (PR). O mesmo fizeram os dois deputados do Podemos, de Sergio Moro: Diego Garcia (PR) e José Medeiros (MT).
Para tentar emplacar a mudança, surgiu no meio do debate a cascata de que se poderiam ajeitar as coisas para que a alteração não atingisse os atuais ministros. Assim, Rosa e Lewandowski se aposentariam em 2023 mesmo, e o novo limite ficaria valendo para os demais. Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, também disse não haver a menor chance de a coisa prosperar na Casa.
LULA PODERIA NOMEAR CINCO MINISTROS
"Que entretítulo é esse, Reinaldo?" Eu explico. O mandato do próximo presidente começa em 2023 e se estende até 2026. Com as regras atuais, indicará os substitutos de Rosa e Lewandowski. Digamos que o texto de Kicis fosse aprovado com a referida alteração. Se as pesquisas estiverem certas e se não houver uma reviravolta nos próximos 10 meses, Lula será eleito presidente da República.
Caso se voltasse ao limite de 70 anos, o próximo mandatário indicaria também os nomes que seriam abertos com a aposentadoria de Luiz Fux (2023), Cármen Lúcia (2024) e Gilmar Mendes (2025). Com o marco legal de hoje, eles deixam o tribunal, respectivamente, em 2028, 2029 e 2030. Nessa hipótese, pois, em vez de indicar apenas dois ministros, o petista poderia indicar cinco. Bia Kicis não leva jeito de que sabe fazer conta. Lira, com certeza, sabe.
TETO DE IDADE PARA NOMEAÇÃO
O presidente da Câmara preferiu dar apoio a uma outra proposta, está de Cacá Leão (PP-BA). Quer rigorosamente o contrário da primeira: hoje, o teto de idade para a nomeação de um ministro é 65 anos. Passaria a ser de 70. Nos bastidores, comenta-se que se trata de um esforço para beneficiar magistrados tidos como simpáticos ao governo e que já ultrapassaram o limite legal, como Humberto Martin, que faz 65 anos no dia 7 de outubro, e João Octávio de Noronha, que fez em agosto. Cumpre lembrar que a alteração valeria para todos os tribunais superiores, todos os regionais e para o TCU.
Lira, que deixou claro que o texto de Bia Kicis não vai avançar, já anunciou a criação da Comissão Especial para a tramitação do outro, aprovado em votação simbólica na comissão. Ainda que se possa especular sobre a facilidade, então, que seria criada para nomear este ou aquele, é evidente que a elevação do idade-limite não tem o mesmo caráter deletério da antecipação da aposentadoria.
De todo modo, o mais prudente, convenham, seria deixar de lado tanto uma questão como outra. A simples suspeita de que se busca mexer com os limites de idade para beneficiar o governo ou para premiar magistrados considerados fiéis empresta às propostas um caráter obviamente deletério.
A SABATINA DE MENDONÇA
Davi Alcolumbre (DEM-AP) anunciou nesta quarta que a sabatina de André Mendonça, indicado por Bolsonaro para ocupar a vaga no Supremo aberta com a aposentadoria de Marco Aurélio, será sabatinado na semana que vem pela CCJ. Não disse o dia. Gente que conhece os bastidores do Senado não se arrisca a fazer uma previsão.
Dá-se como certo que será aprovado na Comissão de Constituição e Justiça. A dificuldade está no plenário. Embora eu não reconheça em Mendonça as qualidades necessárias para ser ministro do Supremo em razão de sua atuação à frente do Ministério da Justiça e da Advocacia Geral da União, acho difícil que não consiga os 41 votos necessários. Se for aprovado, pode ser o resultado mais apertado da história.
Para lembrar: Mendonça usou e abusou da Lei da Segurança Nacional para enquadrar críticos do governo, confundindo liberdade de expressão com crime, embora tenha sido omisso diante da pregação abertamente golpista de aliados do presidente, caso em que confundiu crime com liberdade de expressão.
Como advogado-geral da União, fez no STF a defesa infame da abertura dos templos religiosos no auge do morticínio por Covid-19. Afirmou:
"Os verdadeiros cristãos não estão dispostos jamais a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto".
As pessoas morriam, meu senhor, porque estavam contaminadas. Muitas delas sem acesso a UTI ou a oxigênio.
Até que não se desculpe por isso, esteja no Supremo ou não, eu o verei como o triunfo da infâmia. O Deus que mata não pode ter assento no tribunal.
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