domingo, 14 de novembro de 2021

Mensaleiro, Valdemar conduziu da prisão o futuro partido de Bolsonaro


O ex-deputado Valdemar Costa Neto - Pedro Ladeira - 25.jul.2018/Folhapress

Fracassado o projeto de criação de uma sigla a seu gosto, o presidente Jair Bolsonaro está prestes a ingressar em um partido conduzido há 21 anos, com braço forte e mão amiga, pelo ex-deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP).

Como comandante do partido, Valdemar tem a palavra final para destinação de recursos de campanha e escolha de candidatos a cargos eletivos. Compostas por comissões provisórias, as direções estaduais do PL podem ser dissolvidas pelo presidente via fax, o que já aconteceu, por exemplo, na Bahia.

Seu poder é tamanho que, mesmo quando esteve na prisão, Valdemar contribuiu para derrubar ministro, definir líderes partidários e até encaminhar votações.

Condenado a sete anos e dez meses de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva no julgamento do mensalão no governo Lula (PT), Valdemar se apresentou no dia 5 de dezembro de 2013 ao Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal, de onde traçava a estratégia do partido (então PR).

Um dos emissários mais frequentes à época era o então secretário-geral do partido, o senador Antonio Carlos Rodrigues (SP). Nessas conversas na prisão, foi definido o nome do líder do PR, Bernardo Santana (MG), um dos principais interlocutores de Valdemar.

Em fevereiro de 2014, Valdemar foi transferido para o Centro de Progressão Penitenciária (CPP), após obter autorização para trabalhar, de dia, como gerente administrativo de um restaurante industrial. Na sala da administração, Valdemar recebia colaboradores e parlamentares do PR. Entre eles, o líder, Bernardo Santana (MG), e o deputado Vinícius Gurgel (PR-AP).

Segundo integrantes da bancada, ao voltar dos encontros, Santana repassava, semanalmente, as orientações recebidas por Valdemar.

Em maio de 2014, o então ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa suspendeu a autorização para trabalho externo. De volta à Papuda, em junho, Valdemar articulou a queda do ministro dos Transportes, Cesar Borges, e sua substituição por Antonio Carlos Rodrigues.

Seguindo orientação de Valdemar, para pressionar a então presidente Dilma Rousseff (PT) a trocar seus ministros, Bernardo Santana lançou uma campanha para que ela desistisse de concorrer à reeleição em favor da candidatura do antecessor e padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em julho daquele ano, a Justiça permitiu que Valdemar voltasse a trabalhar no restaurante de produção de quentinhas, onde de novo passou a receber aliados e colaboradores para almoços. Na cadeia, Valdemar leu livros e fez cursos visando à redução de pena.

Em maio de 2016, o ministro do STF Luís Roberto Barroso concedeu o perdão da pena a Valdemar. Apesar da decisão, ele evitava aparições públicas até assumir articulações políticas que culminaram na iminente filiação de Bolsonaro.

Descrito por aliados como um executivo pragmático, Valdemar tem dito a correligionários que, com o ingresso de Bolsonaro, planeja eleger 60 deputados, oito senadores e três governadores na disputa do ano que vem.

Também segundo esses relatos, ele afirma que, com uma bancada expressiva, o PL terá forte influência política ainda que Bolsonaro não se reeleja.

A aliados Valdemar argumenta que respeitará acordos previamente sacramentados. O primeiro teste será em São Paulo, onde há compromisso de apoio à candidatura do hoje vice-governador, Rodrigo Garcia (PSDB), que assumirá o Palácio dos Bandeirantes caso o governador João Doria vença as prévias tucanas para disputar a Presidência em 2022.

Bolsonaristas duvidam que o presidente concorde que seu futuro partido alicerce o palanque reservado a Doria em São Paulo. Amigos de Valdemar estão divididos. Enquanto uns afirmam que ele manterá seu apoio a Garcia, outros dizem que o acerto será desfeito.

Os que apostam na manutenção do acordo com o tucanato paulista lembram que, apesar dos apelos de Bolsonaro, Valdemar não apoiou o movimento pelo voto impresso no Brasil.

Formado em administração, Valdemar entrou na política seguindo o caminho do pai, Valdemar Costa Filho, que foi prefeito de Mogi das Cruzes (SP) e secretário de Paulo Maluf. Após ocupar cargos em São Paulo, "Boy", como era conhecido em Mogi, elegeu-se deputado federal pela primeira vez em 1990, filiado ao PL.

Boy caiu nas graças do então presidente do PL, Álvaro Valle, após apoiá-lo em uma disputa interna contra o então deputado Guilherme Afif Domingos. Valdemar assumiu o comando do PL em 2000, ano da morte de Álvaro Valle.

Respeitado no Congresso por cumprir acordos políticos, Valdemar é descrito por parlamentares como dedicado e meticuloso, tendo como uma das únicas distrações o gosto por jogos de azar. Segundo amigos, ele costuma viajar ao Uruguai, onde o jogo é legalizado.

No governo de Itamar Franco, Valdemar acabou como pivô de um escândalo nacional, no Carnaval de 1994, ao levar a modelo Lilian Ramos para o camarote onde o presidente assistia aos desfiles no Sambódromo do Rio. Usando apenas uma camiseta após despir-se da fantasia com que acabara de desfilar, a modelo pôde ser fotografada sem calcinha ao erguer os braços ao lado de Itamar.

Ao assumir o governo em 1995, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) exonerou da Esplanada os indicados do PL remanescentes da gestão de Itamar, provocando uma ruptura.

Após ver seus deputados migrarem para a base governista, Valdemar chegou a orar ao lado do recém-eleito Bispo Rodrigues, da Igreja Universal do Reino de Deus, para que o PL conquistasse novos filiados para preservar a estrutura de bancada na Câmara.

Na oposição a FHC, Valdemar foi um dos artífices da aliança que elegeu Lula em 2002, após convidar o senador e empresário José Alencar para o PL como o intuito de ser vice do petista.

Ao ouvir a proposta, Alencar teria citado o líder chinês Deng Xiaoping: "Não importa a cor do gato, contanto que cace o rato".

Em 2006, após a fusão com o Prona, Valdemar encampou a troca do nome do partido para PR, porque o PL liderava a lista de parlamentares suspeitos de envolvimento na máfia das ambulâncias, o escândalo dos sanguessugas.

Em 2019, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) autorizou a volta da sigla PL, depois de a renomeação ter sido aprovada em convenção.

Bolsonaro está sem partido desde que rompeu com o PSL no fim de 2019. Sem conseguir estruturar uma nova legenda, a Aliança pelo Brasil, Bolsonaro iniciou conversas com partidos do centrão, como PL e PP.

Seu filho Flávio Bolsonaro chegou a se filiar a outras duas legendas enquanto tentavam negociar a filiação do presidente: Republicanos e Patriota.

Na última quarta-feira (10), após uma reunião com Bolsonaro, Valdemar confirmou a filiação do mandatário ao partido em um ato no dia 22 de novembro, em Brasília.

Na Folha

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