A OMS (Organização Mundial da Saúde) decidiu, nesta quarta (11), declarar que há uma pandemia do novo coronavírus em curso no mundo com a sua disseminação por mais de cem países, em todos os continentes.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou que declarar pandemia não significa que a situação está fora de controle nem que mundo deva abandonar as medidas de contenção e passar a pensar em mitigação. Pelo contrário: ele pediu ações mais agressivas.
Representantes da OMS afirmam que a declaração é uma caracterização da percepção do momento, portanto, as ações da agência da ONU não serão alteradas.
A entidade vinha evitando usar o termo pandemia por medo de dar a impressão de que ela era incontrolável e fazer com que os países reduzissem seus métodos de controle e contenção. A demora foi criticada.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse à Folha nesta quarta-feira (11) que a OMS demorou a reconhecer esse status. Segundo ele, com a declaração de pandemia, o país pode passar a identificar casos com base na ocorrência de sintomas e histórico de qualquer viagem internacional, além do contato com casos confirmados, e não só uma lista de países mais afetados.
"Teimaram comigo. Falei: é uma pandemia, e desde a semana passada o Brasil já trata como pandemia. Porque era óbvio. Se você tem uma transmissão sustentada em tantos países, como vou ficar procurando país por país, quem veio de onde? Isso pelo menos três semanas atrás já era impraticável para os sistemas de saúde", afirmou.
Ghebreyesus citou o aumento de casos fora da China. "Nas últimas duas semanas, o número de casos de covid-19 fora da China cresceu 13 vezes e o número de países afetados triplicou. Há agora mais de 118 mil casos em 114 países e 4.291 pessoas perderam suas vidas", disse. Segundo ele, espera-se que esses números cheguem a níveis ainda mais altos nas próximas semanas.
Segundo o diretor-geral da OMS, nunca se viu uma pandemia provocada por um coronavírus, mas, ao mesmo tempo, nunca vimos uma pandemia que pode ser controlada. Segundo ele, é um momento que deve envolver a ação de todos os setores e indivíduos.
Ghebreyesus fez um pequeno guia de como os países devem se comportar: preparar-se e estar prontos, detectar, proteger, tratar e reduzir a transmissão, inovar e aprender.
Não há uma regra clara sobre fechar ou não estabelecimentos, escolas, aeroportos e fazer grandes quarentenas, segundo Michael Ryan, chefe do departamento de emergência da OMS em Genebra. A decisão deve ser tomada com base na avaliação de risco de cada país.
O especialista deu o exemplo de que a China fechou escolas, enquanto Singapura não fez o mesmo —dois países foram usados como exemplos positivos da contenção do vírus.
Mais de 90% dos casos de covid-19 estão apenas em quatro países, e dois deles —a China e a Coreia do Sul— já apresentam declínio significativo da epidemia local.
"Em países com números menores de casos [como é o caso do Brasil], distanciamento social não tem o mesmo impacto imediato de rastrear contatos com pessoas doentes, isolar esses contatos e de casos e fazer quarentenas. Isso significa que você está perseguindo o vírus", afirmou Ryan. "Quando você perde o rastro do vírus, você precisa criar distanciamento social entre todo mundo porque não sabe quem está contaminado. É uma substituição pobre para ações de saúde pública agressivas no início, mas pode ser a única opção quando você não sabe mais onde o vírus está."
Há também uma preocupação por parte da OMS quanto à carga de trabalho e à saúde mental dos profissionais de saúde em alguns países, como Irã e Itália.
A falta de equipamentos em alguns lugares do mundo é outra preocupação. "No Irã, no momento, faltam respiradores e oxigênio. Hoje de manhã, na Itália, havia 900 pessoas sob cuidados intensivos", diz Ryan.
Em 28 de fevereiro, a OMS (Organização Mundial da Saúde) mudou a avaliação da ameaça internacional do coronavírus Sars-CoV-2 de “alta” para “muito alta”, a mais grave do novo sistema de alerta de quatro fases da entidade.
“Esse é um alerta para todos os governos do planeta”, disse Michael J. Ryan, diretor do programa de saúde emergencial da OMS. “Acordem. Prontifiquem-se. O vírus pode estar a caminho.”
A avaliação se refere aos riscos da dispersão sem controle do vírus e do impacto que isso possa causar. Ryan disse também que a mudança reflete a dificuldade de alguns países conterem a disseminação da doença. A entidade, porém, não explicou em seu site ou nas redes sociais quais são as quatro fases do sistema de alerta e o que essa última implica exatamente.
Na época, um porta-voz disse que grupos em várias organizações estavam trabalhando para definir o status de pandemia para esse novo vírus, o que podia demorar.
A entidade define epidemia como um surto regional de uma doença que se espalha de forma inesperada. Em 2010, a OMS definiu pandemia como o espalhamento mundial de uma nova doença que afeta um grande número de pessoas.
“Em geral, um surto se torna epidêmico quando ele se dissemina por um país em particular, como a zika”, diz Lawrence O. Gostin, professor de direito em saúde internacional da Universidade Georgetown. “Já uma pandemia é o espalhamento geográfico de uma doença em muitas áreas do mundo, muitos continentes.”
Em janeiro, a OMS declarou que o surto era uma emergência de saúde global. No mês seguinte, Ghebreyesus disse que a decisão de usar a palavra pandemia se baseava numa avaliação contínua sobre a disseminação geográfica do vírus, a gravidade dos seus efeitos e seus impactos na sociedade.
“Esse vírus tem potencial pandêmico? Com certeza. Já estamos nesse nível? Pela nossa avaliação, ainda não”, disse em fevereiro. “Até agora, autoridades de saúde não testemunharam o espalhamento sem controle do vírus ou evidência de doenças graves ou mortes em larga escala.” Alguns países conseguiram até diminuir ou parar a transmissão.
Para Gostin, há duas razões para o diretor da OMS demorar a chamar a situação atual de pandemia: porque a epidemia ainda pode ser contida, e para evitar pânico desnecessário. “Ele não quer criar uma reação exagerada, com mais fechamentos de cidades, mais vetos a viagens, mais danos aos direitos humanos e à atividade econômica.”
Em um artigo publicado no periódico The Journal of Infectious Diseases, em 2009, os autores, entre eles Anthony Fauci, diretor do Niaid (Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA) fazem uma reflexão do que seria necessário para atestar uma pandemia:
- Grande distribuição geográfica: um dos consensos é que a doença tem que afetar uma grande porção territorial, como no caso da peste negra, da gripe (influenza) e de HIV/Aids.
- Rastreabilidade do movimento da doença: é possível identificar para o caminho percorrido pela doença, como no caso da influenza, transmitidas por via respiratória, da cólera, pela água, ou da dengue, que se dá de acordo com a presença de vetores (mosquitos do gênero Aedes).
- Alta taxa de infecção: quando a taxa de transmissão é fraca ou há baixa proporção de casos sintomáticos, raramente uma doença é tratada como pandemia, mesmo com grande disseminação. A febre do Nilo Ocidental saiu do Oriente Médio e foi parar na Rússia e no Ocidente em 1999, mas nunca carregou a alcunha de epidemia.
- Imunidade populacional baixa: É maior a chance de haver uma pandemia quando a imunidade da população for baixa para o patógeno
- Novidade: o uso do termo pandemia está associado ao risco de novos patógenos (caso do HIV, nos anos 1980) ou novas variantes (caso do vírus influenza, da gripe, que apresenta sazonalmente novas configurações)
- Infecciosidade: o termo “pandemia” é menos comumente ligado a doenças não infecciosas, como obesidade, ou comportamento de risco, como tabagismo. Quando isso ocorre, a ideia é destacar aquele problema como uma área que merece atenção, mas, segundo os autores do artigo, trata-se de um uso coloquial, não tão científico.
- Tipo de contágio: a maioria dos casos de epidemias é de doenças transmitidas entre pessoas, como a gripe (influenza).
- Gravidade: geralmente a palavra “pandemia” é associada a moléstias graves, capazes de matar, como peste negra, HIV/Aids e SARS (síndrome respiratória aguda severa). Mas doenças menos severas, como sarna (causada por um ácaro) ou conjuntivite hemorrágica aguda (provocada por vírus), também foram consideradas pandemias.
Na Folha
Nenhum comentário:
Postar um comentário