domingo, 2 de fevereiro de 2020

É preciso estar atento e forte



Luzes, ainda que fracas, no túnel da economia, reforma da Previdência feita, até talvez tributária e administrativa ainda este ano. Aos trancos e a despeito dos barrancos e barracos que o presidente Jair Bolsonaro arma, o governo faz que anda. Mas a melhor parte, digna de comemoração, é o que não anda: a retrógrada agenda de costumes. Graças à grita de muitos, nela o governo só colhe reveses.

Bolsonaro já foi avisado pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) de que não há lugar em 2020 para temas como Escola sem Partido, reformulação do Estatuto da Família, Estatuto do Nascituro e questões que envolvam ideologia de gênero. Tudo sem chance de prosperar no horizonte próximo.

Pontos que não dependem do Congresso Nacional, como a vigilância digital de professores que o então ministro Ricardo Vélez tentou impor, foram rejeitados pela sociedade. Tampouco o sucessor Abraham Weintraub emplacou o controle pretendido nas universidades e dificilmente conseguirá manter limites ao ir e vir de cientistas e pesquisadores.

Na sexta-feira, o governo tomou mais uma invertida quando a Defensoria Pública da União recomendou, “por falta de evidências científicas”, que não seja veiculada a campanha de estímulo à abstinência sexual, parte da política pública que a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves quer implantar em nome de reduzir a gravidez precoce.

Bombardeada por todos os lados ao lançar uma ideia que dizia de eficácia comprovada e que mais tarde admitiu não ter dados para tal afirmação, Damares até tentou, nas últimas semanas, argumentar que sexo zero era apenas um dos itens do cardápio de educação dos jovens. Nada crível vindo de alguém que associa sexualidade juvenil a “comportamentos antissociais ou delinquentes”, conforme nota técnica de seu Ministério, e que, publicamente, defendeu que “o método mais eficiente para a não gravidez não é a camisinha, não é o DIU, não é o anticoncepcional, o método mais eficiente é a abstinência”.

Pastora e “terrivelmente evangélica”, como ela própria se define, Damares é quem melhor traduz a diabólica pauta de costumes do governo.

Embora diga que não mistura religião com política, antes de assumir o cargo se dedicava a sermões eloquentes com pregações contrárias ao Estado laico: “Chegou a nossa hora, é o momento de a Igreja ocupar a nação. É o momento de a Igreja governar” (Culto, 1/5/2016).

Assim como o chefe, que faz política espetando, mesmo ciente de que será alvo de críticas, Damares se sustenta com frases icônicas que já fizeram dela o melhor do anedotário bolsonarista – “meninos vestem azul, meninas rosa”, “mulher nasceu para ser mãe”, “como eu gostaria de estar em casa numa rede e o meu marido ralando muito para me sustentar e me encher de joias e presentes”, só para citar algumas.

Em defesa da abstinência sexual, chegou às raias da imprudência, ao expor como regra a exceção da sexualidade infantil: “Se vocês me provarem, cientificamente, que o canal de vagina de uma menina de 12 anos está pronto para ser possuído todo dia por um homem, eu paro agora de falar”. Como quem só pensa naquilo, já havia causado espanto (e delírio da plateia) no CPAC Brasil, convescote direitista promovido pelo deputado Eduardo Bolsonaro, ao afirmar: “Estou aqui há 24 horas e ninguém me ofereceu um cigarro de maconha e nenhuma menina introduziu um crucifixo na vagina.”

Para o bem dos direitos e das liberdades, Damares tem enfrentado uma sociedade diligente e atuante. Com isso, nem ela nem outros afoitos ideológicos, como o nazista demitido da Cultura, conseguem emplacar as loucuras que preconizam.

Mas a pastora-ministra vê sua popularidade crescendo na mesma proporção das asneiras que fala. Tem 43% de aprovação, segundo pesquisa Datafolha, perdendo apenas para os 53% do ex-juiz Sérgio Moro. Em um país em digladio constante entre ideologias sem lastro, falsos mocinhos e bandidos, isso é um perigo.

Ainda que essa turma não tenha conseguido legalizar o atraso, as tentativas continuarão. Na maior parte das vezes abusando, sem qualquer escrúpulo, dos quase irresistíveis apelos à fé e à família.

Por Mary Zaidan

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