Jair Messias Bolsonaro, presidente da República, cometeu mais um crime de responsabilidade. Sim, mais um. Com meros três meses de governo, já tinha uma penca deles em seu currículo, como apontei em coluna na Folha no dia 29 de março do ano passado. Ele viola a Constituição mais uma vez.
Desta feita, o presidente está divulgando vídeos que incitam a população a ir às ruas contra o Congresso no dia 15 de março. Não se trata de uma mera convocação de protesto. Incentivadores da baderna pregam abertamente que os militares fechem a Câmara e o Senado.
O FATOR HELENO
O "muso" inspirador do atentado à ordem democrática é ninguém menos do que o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete da Segurança Institucional. Foi ele a acusar o Congresso de fazer chantagem e a largar um "foda-se" como divisa da harmonia entre os Poderes. Foi sua a ideia de o presidente apelar diretamente às ruas contra o Poder Legislativo.
O ataque ao Congresso foi feito em conversa com o também general, este da ativa, Luiz Eduardo Ramos, titular da Secretaria de Governo e um dos encarregados de dialogar com o Parlamento. O outro interlocutor era Paulo Guedes, ministro da Economia, que já sabe que não tem como entregar o prometido — e, disto ele tem ciência, o Congresso não pode ser responsabilizado pelo baixo crescimento e pelos investimentos acanhados.
A fala de Heleno foi tornada pública porque a turma de Bolsonaro fazia uma transmissão ao vivo de uma cerimônia no Palácio da Alvorada. Quando o seu "foda-se" ecoava pelos Três Poderes, não pensem que o general recuou. Ao contrário: foi o Twitter e criticou o que tem sido chamado de "parlamentarismo branco", como se o Congresso atrapalhasse o governo.
A verdade incontestável, no entanto, é outra. O Parlamento tem sido a solução para os problemas criados pelo próprio Planalto. Se Heleno fosse, na sua pasta, tão responsável como tem sido o Congresso, não estaríamos na iminência de uma crise institucional provocada por boquirrotos e destemperados.
Parece que o general atua hoje para inocular também na cúpula das Forças Armadas o veneno que já se espalha na tropa. Bolsonaro e alguns cretinos que o cercam vendem a ilusão de que uma ditadura militar moralizadora seria não só possível como benéfica. Não acontecerá. Já a desordem se desenha no horizonte. A questão posta, agora, aos outros dois Poderes — Legislativo e Judiciário — é como enfrentá-la.
ARTIGO 85 E LEI 1.079
O Artigo 85 da Constituição é claro:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.
A "lei especial" de que fala a Constituição é a 1.079, conhecida como "Lei do Impeachment". Ao passar adiante vídeos convocando manifestação em favor do fechamento do Congresso, o presidente incorre no que dispõe o Artigo 6º da lei, a saber:
São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados:
1 - tentar dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras;
3 - violar as imunidades asseguradas aos membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas dos Estados, da Câmara dos Vereadores do Distrito Federal e das Câmaras Municipais;
Bolsonaro também incide no que dispõe o Artigo 7º ao não repreender Heleno por, na prática, promover agitação nos quarteis. Vamos à lei:
Art. 7º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
5 - servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua;
6 - subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social;
7 - incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina;
8 - provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis.
Finalmente, aponte-se que o presidente também avança no terreno do Artigo 8º:
Art. 8º São crimes contra a segurança interna do país:
1 - tentar mudar por violência a forma de governo da República;
2 - tentar mudar por violência a Constituição Federal ou de algum dos Estados, ou lei da União, de Estado ou Município.
IMPEACHMENT
Motivos não faltam, pois, para apresentar uma denúncia por crime de irresponsabilidade, cujo desdobramento seria o impeachment.
Cumpre, no entanto, não vender ilusões. Uma denúncia por crime de responsabilidade, cuja porta de entrada é a Câmara, só prosperaria para que fosse a julgamento no Senado com o apoio de dois terços dos deputados. Não existe esse número hoje.
Ou por outra: não basta o cometimento do crime de responsabilidade para derrubar um presidente. É preciso ter uma maioria esmagadora no Legislativo em favor da justa deposição para que a coisa prospere, a exemplo do que se viu com Collor e Dilma.
BRAÇOS CRUZADOS?
Isso quer dizer que o Congresso deve ficar de braços cruzados? Claro que não! Se o fizer, será alvo de outros, e maiores, ataques.
Mas há de fazer, então, o quê?
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