General Santos Cruz e o tuíte em que aponta a montagem irresponsável, lembrando que o Exército serve ao Estado brasileiro, subordinado à Constituição, não a um governo |
A extrema-direita bolsonarista quer ir às ruas no dia 15 de março para, mais uma vez, demonizar a Câmara e o Senado. O material de propaganda apela a um conteúdo e a uma linguagem arreganhadamente golpistas. Uma das peças de propaganda traz a imagem dos generais Hamilton Mourão (vice-presidente), Augusto Heleno (chefe do Gabinete da Segurança Institucional) e Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, com a afirmação: "Os generais aguardam as ordens do povo". Na mesma peça, lê-se a exortação: "Vamos as (sic) ruas em massa", acompanhada da seguinte palavra de ordem: "Fora Maia e Alcolumbre".
É pouco? Em mais de uma montagem, Maia aparece associado à figura de um porco. Uma delas acusa: "Precisamos nos mobilizar contra o golpe que Rodrigo Maia arma contra Bolsonaro". Ou ainda: "Rodrigo Maia quer controlar o Orçamento para continuar presidente da Câmara para sempre".
O herói da convocatória é Augusto Heleno. Em uma mensagem, lê-se: "Faço das palavras do general o grito do povo. Quem concorda viraliza". E quais são mesmo as palavras do general? Relembro: "Não podemos aceitar esses caras [os parlamentares] chantageando a gente o tempo todo. Foda-se".
Sim, Heleno disse mesmo isso no dia 18 deste mês, em conversa com o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Paulo Guedes, da Economia, em solenidade no Palácio da Alvorada. Como havia transmissão ao vivo do encontro, sua fala foi captada.
Na noite daquele dia, o próprio presidente disse que não pode ser refém do Congresso. Na origem do confronto, está o descontentamento do governo com o Orçamento impositivo. Na reunião, Heleno defendeu que Bolsonaro apelasse às ruas.
Que coisa! O chefe do Gabinete da Segurança Institucional, cuja função é zelar pela... segurança institucional, sugere ao presidente que convoque as ruas contra o Poder Legislativo.
Não parou por aí. Depois que sua fala foi tornada pública, recorreu ao Twitter para atacar o que tem sido chamado de "parlamentarismo branco" no país, dada a importância que os respectivos presidentes das duas Casas do Congresso têm na aprovação da agenda do... próprio governo!
E mandou ver no Twitter: "Isso, a meu ver, prejudica a atuação do Executivo e contraria os preceitos de um regime presidencialista. Se desejam o parlamentarismo, mudem a constituição. Sendo assim, não falarei mais sobre o assunto".
Já tinha falado o suficiente, não é mesmo? Os grupos que dão apoio a Bolsonaro nas redes sociais, com a delicadeza, a sutileza e a inteligência costumeiras, estão chamando a tigrada contra o Congresso Nacional. M ais do que isso: pregam o seu fechamento. O "muso" inspirador é Heleno.
O general chegou a discursar numa manifestação em defesa do governo no dia 30 de junho do ano passado. Os principais alvos do protesto a favor, então, eram os presidentes da Câmara e do Senado e alguns ministros do Supremo. Desnecessário dizer que, também desta vez, os filhos de Bolsonaro manifestaram apoio a Heleno, que contou ainda com o endosso de luminares da democracia como Damares Alves e Abraham Weintraub. O apoio de Weintraub foi redigido em javanês. Evitou o risco de não ser compreendido.
A impressionante soma de truculência, burrice e desprezo pela ordem democrática que vai nas páginas do bolsonarismo. Militar graúdo da reserva se insurge contra uso indevido do Exército para justificar pregação fascistoide. |
DE VOLTA A SANTOS CRUZ
O general recorreu ao Twitter para condenar a "montagem irresponsável" que associa generais a um protesto que defende o fechamento do Congresso. Escreve ele:
"Exército - instituição de Estado, defesa da pátria e garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Não confundir o Exército com alguns assuntos temporários. O uso de imagens de generais é grotesco. Manifestações dentro da lei são válidas."
É claro que o general está certo e que se trata de uma irresponsabilidade. Mas ele sabe muito bem que o mal original não está nessas manifestações grotescas das páginas bolsonaristas. O problema está em outro lugar.
Quando o ex-ministro lembra qual é o papel do Exército — segundo, diga-se, prescrição constitucional — e que a Força não deve ser confundida com o que ele chama de "assuntos temporários", é evidente que essa consideração não é endereçada aos boçais que pregam que os militares emparedem o Poder Legislativo. Nessa hora, Santos Cruz está falando a seus pares e expressando uma inquietação que não é apenas sua. Ela é compartilhada hoje por um número expressivo de oficiais-generais das Três Forças.
A verdade é que os setores das Forças Armadas do país que resolveram se envolver com a candidatura de Jair Bolsonaro e, depois, com o seu governo cometeram um erro terrível. E vai levar muito tempo até que Exército, Marinha e Aeronáutica voltem a ser vistas por aquilo que chegaram a ser: entes que servem ao Estado brasileiro, não a um governo, segundo os ditames da Constituição.
A fórmula tentada pelo general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e hoje assessor do GSI, evidencia a sua inviabilidade prática. Mais do que nunca, temos o governo de um capitão reformado que resolveu escorar e ancorar as suas maluquices nas Forças Armadas. Passada a fase extrema do delírio megalômano e com dificuldades enormes à vista, o presidente resolveu cercar-se de generais no Planalto, dois deles da ativa, numa aposta de que, entre o presidente e as instituições, os quarteis escolherão o presidente.
Militar treinado e dos poucos com experiência real de campo, Santos Cruz sabe a importância da disciplina, da hierarquia e do respeito às regras do jogo. Seu tuíte evidencia que ele sente um certo cheiro de bagunça no ar. E com a participação de colegas de farda, cheios de estrelas.
Em vez de os generais que servem ao presidente lhe passarem um pouco de juízo, é ele, tudo indica, que está contaminando com seu destrambelhamento quem deveria ter mais respeito pelos próprios cabelos brancos.
Por Reinaldo Azevedo
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