quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Bolsonaro e Alexandre Garcia são pais, maridos e japoneses exemplares


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Há pessoas que vieram ao mundo com a vocação para ser guias morais. São os verdadeiros faróis da humanidade. E, por óbvio, colocam-se acima dessa brasileirada insuportável, de quinta categoria, que só atrapalha o Brasil. São profissionais exemplares; maridos de primeira, pais inigualáveis. Qualquer criança olha para eles e pensa: "Caramba! Que pena não ser filho dele! Teria tanto a aprender e um futuro brilhante!" Duas dessas pessoas são, por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro e o jornalista Alexandre Garcia. Que figuras admiráveis! Estão muito acima da manada, onde todos nos perdemos e nos confundimos.

Bolsonaro já tinha aprendido algumas coisas por conta própria. Vê-se agora que está sob a influência do notável ex-jornalista — que acha que o Brasil seria muito melhor houvesse aqui outro povo... Já chego lá. A mais recente inflexão no pensamento do presidente provocada por uma observação de Garcia se dá no terreno na moral e da educação.

Nesta quarta, ao defender o alopramento do programa de Damares Alves, que pretende combater a gravidez precoce pregando a abstinência sexual, Bolsonaro afirmou à saída do Palácio da Alvorada:"O próprio Alexandre Garcia, ele fala que a esposa dele, que é obstetra, atendeu uma mulher que começou com o primeiro filho com 12 anos de idade. Outro com 15, e no terceiro, que a esposa dele atendeu, ela já estava com HIV. Uma pessoa com HIV, além do problema sério para ela, é uma despesa para todos no Brasil", afirmou Bolsonaro à saída do Palácio da Alvorada.

Ninguém põe em dúvida a responsabilidade das escolhas individuais na história das pessoas. Uma menina que tenha tido um filho, no entanto, aos 12 anos, fez uma opção, ciente dos riscos e dificuldades? Poucos se atreveriam a dizer que sim. Caso se leve em conta o meio social em que se criou, o histórico familiar de carências, as dificuldades de educação, será que a pregação da abstinência pode mais do que a informação? Ou melhor ainda: quando menos, a informação não pode vir junto com a eventual orientação para que se retarde o início da vida sexual?

Mas não! Evidencia-se na fala de Bolsonaro uma espécie de responsabilização da vítima. E notem que a questão vai além da gravidez e acaba no HIV. Impossível não perceber que se está diante da prática bastante conhecida de responsabilizar o doente pela doença. "Ah, contraiu o vírus porque não se comportou..." Por esse caminho, dever-se-ia cortar toda forma de assistência à saúde, num esforço rumo à santificação da humanidade. "Tem HIV porque fez sexo; tem colesterol porque consome gordura; tem câncer porque fuma ou porque ingeriu o alimento X; tem diabetes por causa do sedentarismo..."

Reitero: há uma diferença entre chamar as pessoas à responsabilidade individual — DESDE QUE POSSAM FAZER ESCOLHAS — e culpar a vítima pelo mal que a assola. Mas dizer o quê? A matriz da narrativa revela o pântano moral de origem.

Circula na Internet, com o endosso do presidente da República e de Eduardo Bolsonaro, um de seus filhos, um vídeo em que Alexandre Garcia propõe um exercício de imaginação: Brasil e Japão trocariam suas respectivas populações. O ex-jornalista e atual prosélito da extrema-burrice leva a plateia ao riso ao dizer que sabe bem o que aconteceria no Japão se entregue ao povo brasileiro. Já o Brasil, com todos os seus recursos e habitado por japoneses, logo viraria uma potência.

Os espectadores riem e aplaudem. Claro! A exemplo de Garcia, não se sentem brasileiros. Os "brasileiros" odiáveis são os outros. Não posso jurar, mas apostaria sem medo de perder: ali estavam algumas pessoas que não registram suas empregadas, que andam no acostamento, que sonegam impostos... E, claro!, todas elas têm a certeza de que, com esse povo que temos, não há como prosperar. Creio que, com mais uma ou duas horas de palestra, chegaria a hora de atacar a miscigenação do Brasil, não é mesmo? E, com rapidez, chegaríamos ás teorias racistas do Século XIX, que ambicionavam a condição de ciência.

Não custa lembrar que, na Hebraica do Rio, quando associou quilombolas a animais, o então candidato Bolsonaro empregou os japoneses como contraponto — segundo ele, uma "raça com vergonha na cara". Já os negros dos quilombos, ele observou, pesavam sete arrobas e não serviam nem mesmo para procriar.

Sempre acho estupidamente engraçado quando alguém se surpreende com o fato de eu desprezar esse governo sendo um liberal. Surpreendente por quê? O que há de liberal nessa maçaroca de asnices reacionárias, estúpidas e demofóbicas?

Bolsonaro tem desprezo por aqueles que o elegeram. E Garcia, que tem atuado como seu grilo falante, não tem dúvida de que o pior do Brasil são mesmo os brasileiros.

Não é coincidência que um tenha servido a uma ditadura, e o outro seja defensor de ditaduras, no plural — desde, é claro, que sejam de direita.

Por Reinaldo Azevedo

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