Voltem lá, idiotas, e recolham também os livros mais perigosos de todos. Vocês esqueceram de botar na lista de proibidos os versinhos falso-inocentes que se escondem por dentro dos livros de poesia. São os piores. Falam de amor - mas não enganam mais ninguém. Todos devassos, perversos e, de redondilha em redondilha, estão imbuídos apenas do projeto internacional de acabar com a família brasileira. Mais adiante, aguardem, vão tomar posse da Amazônia.
Vamos acabar com Machado de Assis e também com o Carlos Heitor Cony, todos realmente perigosíssimos para a formação da juventude brasileira. À fogueira com eles. Mas quem foi que esqueceu de prender o decassílabo heroico, de colocar na lista de excomungados didáticos o Manuel Bandeira, aquele pernambucano que sugeriu ir todo mundo para o vale-tudo da cama do rei em Pasárgada?
Voltem lá, idiotas, e não deixem o soneto dar a cara nas escolas porque ele é tão perigoso quanto um conto do Rubem Fonseca e em cada um dos seus versos há também o estímulo mais irresponsável ao sexo na adolescência. O Macunaíma preguiçoso do Mário de Andrade, a bonitinha mas ordinária do Nelson Rodrigues – são personagens que de fato não ajudam a construir um novo país, e fazem muito bem em estar na lista de proibidões. Mas quem não viu o mal cívico que se esconde nas pedras e mais pedras que o Carlos Drummond de Andrade jogou pelo caminho? Subversivamente, elas estimulam uma trava no progresso e não torcem para que o país vá em frente. O Brasil já tirou os pardais das estradas, vai tirar essas pedras da poesia também.
O único poeta na lista de 43 malditos foi Ferreira Gullar, mas o maranhense escancarou suas intenções já no título do livro – “Poema sujo”. Falta gente na fogueira. Fabrício Carpinejar, Elisa Lucinda, Olavo Bilac. Há muitas gerações o poeta é um notório fingidor. Foi um deles que disse, “é capaz de fingir tão completamente que finge ser dor o que deveras sente”. Não se deve acreditar neles. Por isso, ouçam esta voz de comando e voltem lá, seus idiotas. Prendam todo o Mário Quintana, um velhinho desses, de índole songamonga, que usa da falsa ingenuidade para propagar o ódio. Foi ele que um dia, sobre os que lhe atravancavam o caminho, escreveu revoltado: “eles passarão/eu passarinho”.
É muita poesia para uma hora dessas e o Brasil não tem tempo, precisar minerar as terras indígenas. Voltem lá, cretinos. Façam uma lista só de poetas. Impeçam Murilo Mendes de continuar dizendo que “o mundo começava nos seios de Jandira”, quando todos sabem que a Terra agora é plana. Não se esqueçam de Vinicius de Moraes, Oswald de Andrade, João Cabral de Melo Neto e demais destruidores da pátria nacional. Morte aos alexandrinos, decassílabos sáficos e todos os que praticam rimas parnasianas, modernistas e afins.
A poesia é o inimigo que se esconde atrás das nuvens, usa flores e corações para passar ideias que nem ela sabe direito quais são. Perigosíssima. Propaga pelas palavras um contágio de imaginação e liberdade que quarentena nenhuma segura. À fogueira com ela e seus despropósitos. Depois, só depois, cuidem do coronavírus.
Por Joaquim Ferreira dos Santos
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