O ex-governador bandido Sérgio Cabral — note-se: é ex-governador, não ex-bandido — vai levando adiante a sua estratégia, meticulosamente acertada com a sua defesa e com quem aceitou a sua absurda delação premiada. Está tudo devidamente ensaiado.
Agora se noticia aos quatro cantos que, pela primeira vez, ele envolve a mulher, a advogada Adriana Ancelmo, já condenada a 36 anos de cadeia em quatro ações penais, nas suas lambanças. Admitiu que usou o escritório da "conja", com o seu conhecimento, para lavar dinheiro de propina, tendo a rede de restaurantes japoneses Manekineko como intermediário.
O esquema seria simples. O restaurante simulava ser cliente do escritório de Adriana e repassava a ela o dinheiro de propina recebido sabe-se lá de quem que era fornecido pela própria quadrilha de Cabral. A advogada emitia o recibo e pronto! O dinheiro estava esquentado. E o que o Manekineko ganhava com isso o quê? Recebia grana viva para, entre outras coisas, pagar funcionários por fora.
Em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, depois do acordo celebrado com a PF -- Nota: Bretas já revelou ter ambições políticas futuras --, o ex-governador e ainda bandido afirmou: "Confirmo a emissão de notas fiscais do escritório da minha mulher para atender uma demanda dessa empresa, Manekineko, com recursos de valores indevidos obtidos por mim. Foi trazido o pleito pela Adriana, e combinei entrega de dinheiro na casa de Thiago Aragão [sócio da ex-primeira-dama]".
Teriam sido lavados, desse modo, R$ 3,1 milhões nesse caso.
Claro! Dá sempre uma sensação de nojo, de asco mesmo, ler ou ouvir a confissão de um canalha, eleito pelo povo, a tratar, com essa desfaçatez e com essa clareza, de crimes cometidos, como se dissesse, sei lá: "Hoje é terça-feira, e está chovendo". Lembrança à margem: o meliante moral já devolveu US$ 100 milhões que estavam com doleiros. Consta que outros bens vão entrar no acordo. Vamos ver.
A defesa de cada um faça o que quiser. Sou um liberal-democrata — favorável, pois, ao amplo direito de o acusado se defender e ao trabalho pleno dos advogados, nos limites do que dispõe a lei. Eu não gosto é da indústria de delações premiadas. Aí, não! Nesse caso, entrega-se o país ao comando de bandidos, estejam arrependidos de verdade ou apenas usem a lei de delações para acertar contas, atender aos interesses de quem passa a manipular as suas respectivas vontades ou cometer crimes novos.
Assim, não ataco o trabalho da defesa. Apenas aponto aquilo que vejo. Não consta que Adriana Ancelmo e Sergio Cabral estejam em processo litigioso de separação. Não estando, parece pouco provável que o governador volte as suas baterias contra a mulher fora de uma estratégia definida de defesa e, claro!, de delação. De toda sorte, o advogado dela, Alexandre Lopes, reagiu: "Não vejo como possível levar a sério esse novo depoimento de Sérgio Cabral. Se ele sequer mencionou o fato à Polícia Federal, ao que se sabe, em sua delação, passa-se a ideia de que o ex-governador quer se posicionar como um colaborador da Justiça, confessando tudo o que lhe for perguntado, a fim de auferir benefícios que nem mesmo o Supremo Tribunal Federal concedeu. Parece desespero pelos quase 300 anos de pena já impingida".
Bem, com delação, sabe o doutor, os 300 anos de condenação 300 não serão. Onde ele vê desespero, vejo estratégia. Reitero: Cabral sabe tudo o que sabem sobre ele e tudo o que não sabem. Agora é administrar o futuro. E, por óbvio, transfere-se para Adriana, à medida que sua cumplicidade for sendo referendada pelo delator, também a possibilidade da própria delação, que parece estar a caminho, com ou sem a anuência de Lopes. Esse detalhe, em particular, eu desconheço.
Uma coisa é certa: há togados no Rio e do Rio — incluindo gente já com assento em Brasília — que está em pânico. Quem circulava entre os que passaram a circular em altas cortes era Adriana, não Cabral. A depender do acordo que ela faça, pode encrencar de vez alguns togados poderosos ou, pior, tornar tais togados reféns de setores da Polícia Federal, que passariam a ser donos de seus votos.
Torço, claro, para que não seja esse o caso do atual vice-presidente do Supremo, Luiz Fux. Todos sabem que ele era amigão de fé, irmão camarada de Adriana. E julgava dever, entre outros, ao então primeiro-casal do Rio sua indicação a uma vaga no tribunal. Cavalheiro, quando aconteceu, ele chegou a dar um ósculo no pé da então primeira-dama.
De resto, não se zangue o ministro. É público e notório que, na lógica das delações, dada a forma que esta tomou no Brasil, uma acusação nem precisa ser verdadeira ou vir acompanhada da prova. Basta que pareça verdadeira.
Fux sabe disso. Desde o início da operação, vem votando com a Lava Jato, pouco importando o absurdo em pauta.
Por Reinaldo Azevedo
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