A barbaridade a que se assistiu em Sobral, no interior no Ceará, nesta quarta, é apenas um capítulo de algo muito grave em curso no país: a "milicianização" das polícias. Não, senhores! O crescimento das milícias, com sua consequente infiltração nas polícias civil e militar, já não é mais exclusividade do Rio. Quem acompanha de perto a área de segurança pública no país teme que parte considerável dos governadores se torne refém de verdadeiras organizações criminosas com voz de comando junto a setores das polícias.
É claro que o senador Cid Gomes (PDT-CE) errou feio. E não se trata aqui de responsabilizar a vítima pelo mal que a acomete, mas não há justificativa razoável para aquilo que ele fez. Note-se que ele ocupa uma cadeira no Senado justamente para que sua voz seja amplificada, podendo denunciar, de um lugar privilegiado, os descalabros que andam pelo país. Em vez disso, optou pela ação direta. Um despropósito! Mas é evidente que essa não é a questão mais grave na soma de desatinos que quase resulta numa tragédia.
Comecemos pelo óbvio. A Constituição proíbe explicitamente a sindicalização e a greve de policiais militares. Há uma combinação de disposições que resulta nessa proibição. O Parágrafo 6º do Artigo 144 define as PMs e os bombeiros como forças auxiliares e reservas do Exército. O caput do Artigo 42 estabelece que eles são "militares dos Estados". O parágrafo 1ª reza que se aplica a esses entes o que dispõe o Parágrafo 3º do Artigo 142. O inciso IV é definitivo: "Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve". É indiscutível.
Uma nota à margem: em Agravo a Recurso Extraordinário, em 2017, o Supremo estendeu essa proibição a todos os servidores que lidem diretamente com a segurança pública. Logo, a greve é vedada também a policiais civis.
Sigamos. Policiais que fazem greve têm como principais aliados os bandidos. Na prática, chantageiam os governadores, usando a população como refém. Em matéria de banditismo, note-se, os grevistas do Ceará foram pródigos, com homens encapuzados circulando em viaturas e pressionando para o comércio fechar as portas; sequestro de viaturas; amotinados em quartel e depredação de veículos. Uma soma espetacular de aberrações.
Mas o que querem os grevistas? A Folha resume: "pedem que o governo refaça a proposta de reestruturação salarial enviada na terça (18) para a Assembleia. O projeto de lei prevê aumento de salário para os soldados da PM e para bombeiros de R$ 3.475 para R$ 4.500, com reajuste parcelado em três vezes até 2022. Os PMs demandam que o pagamento seja feito em apenas uma parcela e que seja apresentado um plano de carreira para a categoria".
É muito ou é pouco? Respondo assim: o rendimento médio real de todos os trabalhadores ficou em R$ 2.340 no quarto trimestre do ano passado, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). Mas atenção! Em 2018, a renda média mensal de 60% dos trabalhadores — nada menos de 54 milhões de empregados com carteira assinada ou na informalidade — foi de R$ 928, inferior a um salário mínimo, que era de R$ 954.
Mais alguns números? Segundo dados do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), com base em números da PNAD Contínua, o rendimento médio do trabalhador cearense no segundo trimestre de 2018 foi de R$ 1.425. Na faixa de 18 a 24 anos, os trabalhadores tiveram ganhos médios de R$ 837; de 25 a 39 anos. de 1.416 e, de 40 a 59 anos, de R$ 1.626.
VOLTO AO PONTO
Os governadores têm de ficar atentos. Mais do que nunca, os quarteis se tornaram alvos de demagogos e populistas. O fenômeno da "milicianização" das polícias encontra nas reivindicações trabalhistas um solo fértil para a sua pregação. E, por razões óbvias, os tempos nunca foram tão favoráveis à contaminação de uma força armada pelo crime organizado.
É claro que Cid não deveria ter feito o que fez. Mas isso não pode diminuir a gravidade do fato de que policiais mascarados estavam amotinados, depois de alguns de seus pares espalharem o terror na cidade de Sobral. Os responsáveis por essa greve têm de ser identificados e severamente punidos. E os governadores de todos os Estados precisam ficar atentos: bandidos, que se sentem estimulados pela era do absurdo, querem sequestrar as polícias.
Por Reinaldo Azevedo
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