O presidente Jair Bolsonaro decidiu indicar o general Walter Souza Braga Netto, atual chefe do Estado-Maior do Exército, ex-comandante militar do Leste e ex-chefe da intervenção federal no Rio, para conduzir a Casa Civil do governo. Nota: na hierarquia, é o número dois. Acima dele, só comandante da Força, general Edson Leal Pujol. Se aceitar o cargo, e há sinais de que topou o desafio, trabalhará em parceira com Luiz Eduardo Ramos, ex-comandante militar do Sudeste e hoje secretário de Governo. Uma particularidade: ambos são generais da ativa.
O Palácio do Planalto ficará parecendo um quartel. Ali também despacha Jorge Oliveira, secretário-geral da Presidência, que é major da Polícia Militar do Distrito Federal.
Braga Neto assumindo a Casa Civil, noto, haverá um ganho de produtividade necessário na pasta — tão logo ele descubra que função vai cumprir, uma vez que as atribuições do ministério foram esvaziadas. Em tese ao menos, restaria a coordenação das ações das demais pastas. Não há como piorar. Onix Lorenzoni deu o seu melhor na desmoralização da função. Consta que Bolsonaro o transferiria, como consolação, para o Ministério da Cidadania. E compensaria Osmar Terra com alguma embaixada.
É claro que o Exército brasileiro está cometendo um erro grave ao permitir que militares da ativa assumam funções civis — Braga Neto vai para a reserva em julho.
Numa live no dia 7 de março do ano passado, Bolsonaro estava ladeado pelos generais Rêgo Barros, porta-voz então na ativa (não está mais), e Augusto Heleno, que já estava na reserva. Na manhã daquele dia, numa cerimônia militar, o presidente soltou a seguinte pérola: "E isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer". Por óbvio, a fala não caiu bem porque ficou parecendo justamente o que ela enunciava: se os militares decidirem não querer, democracia não há.
Fosse verdade, as primeiras palavras da Constituição americana, por exemplo, não seriam "Nós, o povo", mas "Nós, os soldados"...
Bolsonaro e os generais tentaram dourar a pílula, e coube a Rego Barros fazer a afirmação mais interessante: "O controle civil objetivo, propugnado por Samuel Huntington, ele advoga que as Forças Armadas devem ser a fortaleza desse controle civil. E naturalmente as Forças Armadas brasileiras já o são por defenderem veementemente a democracia".
Pois é... Huntington, que morreu em 2008, foi uma pérola do pensamento conservador americano. O general citava um livro seu, escrito quando jovem, chamado "O Soldado e o Estado". Em essência, o autor defende a profissionalização dos militares. Nas suas palavras: "O controle civil objetivo atinge seu fim ao militarizar os militares, tornando-os o instrumento do Estado".
Segundo Huntington, quem se arvora em líder civil e militar ao mesmo tempo acaba sendo ruim nas duas coisas. Mais: ele também trata, em tom de condenação, do "controle civil subjetivo". Nesse caso, afirma, os militares formam um grupo de pressão na sociedade e disputam influência com outros grupos, imiscuindo-se na política. No "controle civil objetivo", os militares têm uma neutralidade política absoluta.
É evidente que não é aceitável, segundo parâmetros democráticos, que um comandante militar apenas se licencie para fazer política. Um soldado tem de estar comprometido com o Estado, servindo a qualquer governo subordinado à Constituição, sem fazer, ele próprio, política. Ou a Força a que pertence, que detém o "monopólio do uso legítimo da violência", para ficar nos termos de Max Weber, se compromete com os sucessos e insucessos do governo de turno, pondo as Forças Armadas a serviço dos grupos políticos A ou B, em detrimento dos C e D. Está errado.
É claro que uma gestão sempre parecerá mais bem servida com militares educados no comando quando abriga, por exemplo, uma ministra das Mulheres e Direitos Humanos que resolve combater a gravidez precoce com moralismo barato; quando tem na Educação um bufão incompetente e grotesco; quando nomeia para uma fundação de combate ao racismo um negro que enxerga virtudes na escravidão. Nesse contexto, soldados oriundos do Alto-Comando podem escalar a prateleira onde se encontra Schopenhauer...
Pergunto outra vez: faz sentido, segundo qualquer critério que se queira, dito progressista ou conservador, ter à frente da articulação política homens que têm óbvia influência na tropa? A própria pergunta traz a resposta.
Bolsonaro havia dado uma descolada dos militares. Ocorre que o governo é tão, como posso dizer?, sui generis, que isso aconteceu em benefício da chamada ala ideológica — aquela extrema-direita primitiva e troglodita que atende às palavras de ordem de Olavo de Carvalho. Assim, até entendo, embora seja um erro, que se saúde aqui e ali a remilitarização do governo como antídoto aos pterodáctilos que voejam por lá, expelindo excrementos morais e criando dificuldades para o próprio Planalto.
Não tenho dúvida de que a Casa Civil pode ser mais aberta ao diálogo sob a gestão de Braga Neto do que é sob o comando de Lorenzoni. Mas isso é parte do problema, não sua solução. Colocam-se militares — e da ativa! — em funções típicas de civis justamente porque se menospreza a política e se a considera algo menor.
Foi assim que a reforma da Previdência quase desandou. E é assim que as reformas administrativa e tributária subiram no telhado. Os militares que lá estão são, sim, melhores do que algumas bestas da extrema-direita e da extrema-burrice que ainda dão plantão no governo. Mas isso serve apenas como algum consolo. Não é uma solução.
Por Reinaldo Azevedo
Nenhum comentário:
Postar um comentário