Consta que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Sergio Moro, da Justiça, voltaram a ser entender — ou, ao menos, selaram um pacto de convivência — que passa, de novo, pela trilha que conduz ao Supremo. Afinal, era esse o entendimento original: a Moro ficaria reservada uma das duas indicações que o presidente tem a fazer até 2022: neste ano, escolhe o nome que vai substituir Celso de Mello; no ano que vem, quem deixa o tribunal e Marco Aurélio. Para lembrar: caso Bolsonaro se reeleja, escolherá os substitutos de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber em 2023.
Foi o próprio Bolsonaro quem revelou, em maio, o acordo que diz ter feito com Moro quando o convidou, ainda no fim de 2018, para a pasta da Justiça. O ministro negou que tenha havido o entendimento, e o presidente depois desconversou. Constrangimento compreensível, não é mesmo? Afinal, Bolsonaro dizia de modo insofismável que estava usando uma vaga no Supremo para fazer política — como se a indicação do ex-juiz para o cargo já não fosse imoralidade o bastante.
Por que Bolsonaro trouxe à luz o entendimento que se deveria ter sido mantido em sigilo? Porque já havia percebido, com cinco meses de mandato, que os horizontes do seu ministro iam muito além da pasta da Justiça. Ele buscava ganhar musculatura para voos de maior extensão. Não foi difícil perceber que Moro quer mesmo é a Presidência da República.
Embora o ministro tenha amargado algumas derrotas pessoais nesse primeiro ano de governo, a verdade é que, no embate com Bolsonaro, elas acabaram soando como vitórias. Moro resolveu se opor abertamente a decisões tomadas pelo seu chefe — e o caso mais ruidoso é o não-veto ao juiz de garantias — e se estruturou para ter as suas próprias milícias de opinião nas redes sociais. Ele não mais quis ser caudatário das fileiras bolsonaristas. Mais do que isso: roubou para si, sem muita solenidade, parte da base de apoio daquele que o nomeou.
Mais: já se sabe que o ministro costuma receber pesquisas de opinião, e já faz tempo, em que seu nome aparece como uma das opções na disputa presidencial. Assim, por mais que negue a intenção de se candidatar, a verdade é que a negativa vale uma nota de R$ 3. Estar ou não no Supremo, convenham, é irrelevante. Ou melhor: é relevante, sim! Na verdade, o tribunal pode ser até ser uma plataforma útil ao pleito do ex-juiz.
Explico. Se Bolsonaro espera indicar Moro para o Supremo na esperança de tirá-lo do caminho, a ação é contraproducente. O juiz tem até abril do 2022 para deixar o tribunal, se lá estiver, e escolher um partido político ao qual se filiar caso queira se candidatar. Se indicado em novembro próximo, pode-se esperar que o tribunal passe a funcionar como o seu grande palanque. A rigor, terá mais chance de fazer sucesso barulhento se estiver na corte do que se estiver no Ministério da Justiça.
Assim, a ideia de que a eventual indicação de seu nome para a vaga aberta com a aposentadoria de Celso de Mello estabelece a paz com Bolsonaro é bobagem porque, na verdade, o que seria um empecilho ao pleito de Moro funciona, isto sim, como um catalisador. No Ministério da Justiça, Bolsonaro ainda pode lhe impor alguns limites se quiser; no STF, Moro foge de sua alçada e terá mais de um ano para mobilizar nas redes sociais e também na imprensa os adoradores de mitos.
Sim, claro! Tudo vai depender da popularidade do presidente e do que vai acontecer com Flávio Bolsonaro. Se o senador escapar ileso da investigação conduzida pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio, o caminho para a reeleição fica mais fácil. Se o troço encruar, esteja no Supremo ou não, Moro vira a alternativa da extrema-direita. É pouco provável que pudesse disputar contra o chefe, mas já seria menos improvável desbancá-lo como a alternativa da direita extremista. Eventualmente, Bolsonaro pode apelar a seu então ex-ministro para compor uma chapa.
A eventual indicação de Moro para o Supremo não retira uma pedra do caminho de Bolsonaro nem diminui o espaço para o proselitismo político do ministro. Ao contrário: se Bolsonaro errar outra vez com Moro — o primeiro erro foi nomeá-lo —, vai é lhe dar um palanque ainda mais poderoso.
É claro que o Senado teria, se quisesse, poder para conter a sem-vergonhice. Mas ninguém conta muito com isso, não é mesmo?
Por Reinaldo Azevedo
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