sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Decisão de juiz sobre Glenn traz ameaça à liberdade de imprensa


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O juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília, rejeitou a denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald, acusado de envolvimento no hackeamento de mensagens trocadas entre o então juiz Sergio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol. Houve a rejeição, sim, mas a liberdade de imprensa é, pois, uma garantia constitucional, cláusula pétrea da Constituição, estão sob ataque. Explico.

O que levou Soares Leite a rejeitar a denúncia oferecida pelo procurador Wellington Divino Marques de Oliveira foi a liminar concedida em agosto pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo, que proibia "as autoridades públicas e seus órgãos de apuração administrativa ou criminal" de "praticar atos que visem à responsabilização" de Glenn "pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia, ante a proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística".

Sendo assim, diga-se mais uma vez, o procurador Marques de Oliveira cometeu um claro ato de abuso de autoridade ao ignorar uma decisão judicial. Mas não só por isso. O doutor resolveu oferecer uma denúncia contra quem não foi indiciado ou mesmo investigado pela Polícia Federal. Ao tomar ciência dos diálogos de Glenn com os hackers, note-se, a PF não viu indício nenhum de crime.

Observem, no entanto, os caminhos tortos que podem conduzir à agressão a uma cláusula pétrea da Constituição. O juiz recusou a denúncia em razão da liminar de Mendes, mas, segundo seu entendimento, há, sim indícios de que Glenn cometeu um crime ao supostamente orientar destruição de provas. Vale dizer: no mérito, ele concorda com o procurador. Não houvesse a liminar, ele teria recebido a denúncia.

Que trecho da conversa de Glenn com Luiz Molição, um dos acusados de hackeamento, levou o juiz a concluir que há indícios de participação do jornalista? Ao informar que o site The Intercept Brasil manteria uma cópia do material em lugar seguro, afirma o jornalista ao interlocutor:
"Isso é nossa obrigação. Então, nós não podemos fazer nada que pode criar um risco que eles [os investigadores] podem descobrir 'o identidade' de nossa fonte. Então, para gente, nós vamos... como eu disse não podemos apagar todas as conversas porque precisamos manter, mas vamos ter uma cópia num lugar muito seguro... se precisarmos. Pra vocês, nós já salvamos todos [os arquivos], nós já recebemos todos. Eu acho que não tem nenhum propósito, nenhum motivo para vocês manter nada, entendeu?"

Glenn diz ainda:
"Mas isso é sua, sua escolha, mas estou falando, e isso não vai prejudicar nada que estamos fazendo, se você apaga".

Molição insiste em ter uma opinião do interlocutor. Glenn afirma:
"Sim, sim. É difícil porque eu não posso te dar conselho, mas eu eu tenho a obrigação para proteger meu fonte, e essa obrigação é uma obrigação pra mim, que é muito séria, muito grave, e nós vamos fazer tudo para fazer isso, entendeu?"

Como parece restar evidente para qualquer um que leia a transcrição sem olhos militantes, ao contrário de orientar, o jornalista deixa claro que a decisão cabe ao interlocutor: "Eu não posso te dar conselho". Ao afirmar que ele próprio, Glenn, tem de manter cópia em lugar seguro e que não há propósito para outro fazer o mesmo, diz nada além do óbvio.

Fico pensando quantas conversas de jornalistas investigativos com suas fontes — muito especialmente às que serviram aos propósitos da Lava Jato — resistiriam a esse tipo de exposição e de escrutínio. Pergunta óbvia de resposta idem: os vazamentos de investigações sigilosas constituem ou não crimes? Nunca nem sequer foram investigados. E, se fossem, caberia punição ao servidor público que tinha o dever do sigilo, não ao jornalista.

O FUTURO

Com a atual composição do Supremo, não há a menor chance de prosperar uma ação penal contra Glenn. Mas me parece que um risco se alevanta e que ameaça todos os profissionais de imprensa. Não podemos mais nos fiar apenas numa maioria eventual da corte constitucional.

Notem que, por caminhos oblíquos, um procurador e um juiz tentam driblar uma garantia constitucional. No caso deste último, a única coisa que o impediu de aceitar a denúncia foi a liminar.

Um e outro, claro!, reconhecem o sigilo da fonte como garanta constitucional, mas se dedicam a interpretações solipsistas para ver crime onde não há.

Que a OAB e as entidades que atuam em defesa da liberdade de imprensa pensem, por absurdo que pareça, em reforços institucionais para garantir a liberdade de imprensa e o sigilo da fonte. Precisamos mobilizar o Parlamento para acrescentar à Carta e ao Código Penal garantias suplementares.

É preciso criminalizar a quebra do sigilo da fonte — inclusive sob o pretexto de se combater o crime.

Como se nota, a porca do fascismo, com efeito, está sempre no cio.

Por Reinaldo Azevedo

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