Há risco de haver um golpe militar no Brasil? A resposta é "não". Isso não passa de delírio de alguns celerados e de gente que faz xixi metafórico no pijama moral. Nem por isso se deve ignorar quando um deputado defende mecanismos para a reedição do AI-5, o ato institucional que impôs a ditadura absoluta no país em 1968. E se deve prestar especial atenção quando o autor da estupidez é líder do segundo maior partido na Câmara dos Deputados, filho do presidente da República e candidato, até a semana retrasada, à embaixada do Brasil em Washington.
Sim, com todas as letras, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em entrevista a um canal da Internet, afirmou o seguinte:
"Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada".
Para deixar registrado, agora por escrito, antes que avance. Maior do que a sede de truculência de Eduardo é sua ignorância. Plebiscitos estão previstos no Inciso I do Artigo 14 da Constituição. O Inciso XV do Artigo 49 dispõe que a aprovação desse método de consulta é de competência exclusiva do Congresso Nacional, e o Artigo 3º da Lei 9.709 regulamenta:
"o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional, de conformidade com esta Lei."
Não basta, portanto, que alguém sonhe em fazer um plebiscito.
O dito Zero Três, ora vejam, gostaria de submeter ao Congresso uma proposta que desse ao presidente da República poderes para fechar o próprio Congresso, legislar, cassar parlamentares e juízes, impor censura prévia, intervir nos Estados, proibir reuniões etc. Convenham: tudo compatível com uma família cujo chefe político já defendeu a tortura.
Por óbvio, um plebiscito nestes termos seria, por si, inconstitucional porque se estaria dando ao Congresso a faculdade de consultar o povo sobre a possibilidade de rasgar a Constituição.
CRIME E CASSAÇÃO
Parlamentares de oposição já entraram no Supremo com uma notícia-crime contra o deputado por Incitação ao crime (Art. 286 do Código Penal) e apologia do crime ou criminoso (Art. 287). Na semana quem vem, ele deve ser alvo de uma denúncia no Conselho de Ética, o que pode lhe render a cassação do mandato.
O Inciso II do Artigo 55 da Constituição prevê a cassação do parlamentar "cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar". E isso é definido, no caso de um deputado, pelo Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara.
Falta com o decoro, segundo dispõe o Inciso I do Artigo 4º do Código, o deputado que "abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional". Uma dessas prerrogativas está expressa no caput do Art. 53: "Art. 53 Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos".
Notem: com base nessa disposição, é até possível que o Supremo recuse a notícia-crime contra Eduardo. Mas o Conselho de Ética se mostrará um Conciliábulo de Bananas caso recuse a denúncia por quebra de decoro. Sim, um parlamentar tem a prerrogativa da imunidade, mas certamente não para propor que se rasgue justamente o diploma que lhe garante essa imunidade.
Ao dizer o que disse, Eduardo deixa claro que não se sente representado pelo documento que lhe assegura a liberdade de dizer o que pensa. Renunciasse ele próprio a tal liberdade, muito bem! Mas ele deixa claro que quer cassá-la também de terceiros. O juízo da Câmara, nesse caso, é soberano.
Eduardo não pode, moralmente, evocar a proteção de um estatuto que ele quer rasgar.
O parlamentar se desculpou mais tarde. É a tática de sempre. Durante a eleição, este rapaz especulou sobre o que poderia acontecer se o Supremo fizesse óbices legais a eventuais intenções de seu pai se eleito. Ele então considerou:
"Será que eles vão ter essa força mesmo? O pessoal até brinca lá: se quiser fechar o STF, você sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não."
Então candidato, Bolsonaro o fez pedir desculpas e afirmou que não endossava as palavras do filho. Como se nota, o deputado ainda não se convenceu das virtudes da democracia.
Jair Bolsonaro disse não endossar as palavras do filho, afirmou que qualquer um que fale em AI-5 está sonhando e disse que as perguntas devem ser dirigidas ao próprio Eduardo. Pois é. Assim seria se assim fosse. Até há três semanas, o rapaz era, segundo o presidente, o homem certo para representar o Brasil em Washington. Quando resolveu lhe dar nova função, disparou telefonemas a deputados para fazer dele o líder do PSL na Câmara. Quando o destrambelhado resolve defender um golpe, então ficamos sabendo que filho não é parente.
Convenham: é um comportamento compatível com um pai que ameaça emissora de televisão e jornal porque não gosta do que vê, ouve e lê.
Por Reinaldo Azevedo
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