Há no Brasil 13,5 milhões de estômagos que sobrevivem com menos de R$ 145 por mês. Isso equivale a R$ 36,25 por semana. Ou R$ 4,83 por dia. Um Big Mac sai por R$ 16,90. Ou seja, um sanduíche consome a renda de três dias desses estômagos, alojados no organismo dos brasileiros que o IBGE chama de extremamente pobres. Os dados são de 2018. Atrasando o relógio, verifica-se que o contingente vem aumentando desde 2014, quando Dilma Rousseff arruinou a economia do país.
Para esses brasileiros que trazem um espaço baldio entre o esôfago e o duodeno, o debate sobre direita e esquerda, políticas liberais versus políticas sociais é uma inutilidade indigesta. Se Deus tiver que aparecer no pesadelo dessa gente, não será na forma de Bolsonaro ou Dilma. O Todo-Poderoso não se atreveria a surgir em outra forma que não fosse a de um prato de comida.
Em entrevista publicada há quatro dias, na Folha, o ministro Paulo Guedes lamentou que não tenha prosperado sua proposta sobre o regime previdenciário de capitalização. Declarou que esse modelo "educaria financeiramente as famílias mais pobres". Como assim? "Um menino, desde cedo, sabe que ele é um ser de responsabilidade quando tem de poupar. Os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo". O IBGE esclarece que os mais pobres consomem nada.
A economia começa a reagir. Mas a reação é demasiado lenta. E o estômago que vive além das fronteiras da pobreza não dispõe de tempo para esperar pelo dia em que conseguirá educar-se financeiramente a ponto de poupar, como deseja Paulo Guedes. O mundo desses estômagos cabe no intervalo entre uma refeição e outra. Seu relógio biológico só tem tempo para certas horas: a hora do café, a hora do almoço, a hora do jantar… Nessa rotina, a hora da poupança não se encaixa.
Certas autoridades deveriam passar um mês com R$ 145. Chegariam ao final da experiência com uma fome de ministro —ou de presidente da República. Dessas que o sujeito resolve abrindo uma geladeira bem abastecida. Talvez percebessem que as reformas liberais não precisam ser adotadas em detrimento das políticas sociais. Afinal, para que serve o equilíbrio fiscal senão para resolver o drama social de forma consistente?
Um governo instalado há apenas dez meses tem o legítimo direito de colocar em prática as ideias que prevaleceram nas urnas recém-abertas. Seria uma tolice questionar esse direito. Admita-se, para efeito de raciocínio, que as providências encaminhadas pela atual administração serão um sucesso. Ainda assim, a prosperidade não virá instantaneamente.
Convém abrir os olhos para os extremamente pobres. Tratá-los como seres invisíveis é vergonhoso e desumano. Criticar os governos anteriores não resolve o problema dos estômagos em cujas paredes ardem os jatos de suco gástrico. Melhor buscar maneiras de atenuar o drama da transição entre a fome e a bonança que produzirá hipotéticos excedentes para a poupança.
Por Josias de Souza
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