Carlos Bolsonaro: criou-se a mentira de que Mendes retirou suas páginas do ar. E o troço de espalhou (foto: Sérgio Lima, AFP) |
As contas de Carlos Bolsonaro desapareceram das redes sociais. Eu mesmo já recebi mensagens via WhatsApp — definitivamente, a ferramenta foi sequestrada pelo bueiro do capeta — sustentando tratar-se de uma decisão, calculem vocês!, do ministro… Gilmar Mendes! Isto mesmo: vagabundos inventaram a mentira, reproduzida por idiotas, segundo a qual o ministro teria, sabe-se lá por quê, decidido banir Carlucho das redes sociais. Como se um membro do Supremo tivesse poder para isso… Segundo qual dispositivo legal? No bojo de qual ação? Como e por que se teria feito isso? Que diferença faz?
Se leis e Constituição são irrelevantes também para ministros do Supremo, deputados e senadores, tudo é permitido.
Está em todo canto a história de que a decisão do tribunal sobre a execução da pena depois do trânsito em julgado iria pôr na rua o ex-médico Roger Abdelmassih, cuja condenação já transitou em julgado — e, pois, ele não é alcançado pela decisão. Ainda que não tivesse tido a condenação definitiva, a lei permite que o juiz decrete prisão preventiva quando há provas de que o condenado, em primeira ou segunda instância, participou de crimes graves, como sequestro, estupro, homicídio, latrocínio etc.
O país fica à mercê dessas milícias digitais. E a mentira prospera com impressionante velocidade. Há um troço perverso aí: a verdade dos fatos é finita e única; é uma só — as opiniões a respeito é que podem variar. As mentiras a respeito dele são, por sua vez, infinitas. Como prosperam na ignorância específica de cada um, têm mais chances de encontrar adeptos.
Tanto pior quando a mentira, por ganhar muitos crentes, se transforma em pressão, invade o Congresso e leva deputados e senadores a propor uma legislação que obviamente contraria os fundamentos da Constituição. Notem: não chegam ao parlamentar vagas de opinião que lhes cobrem o cumprimento da lei e do Estado de direito. Ao contrário: o que eleva a temperatura do debate é justamente a mentira.
As fake news criadas sobre Abdelmassih e a decisão de Mendes que nunca existiu sobre as páginas de Carlucho têm um único objetivo: desmoralizar ministros do Supremo. E quais ministros? Justamente aqueles que, no julgamento sobre a segunda instância, resolveram se alinhar com o que diz a Constituição. Pilantras profissionais, disfarçados de jornalistas, inventaram a mentira de que o mentor do triunfo do que vai na Carta é Gilmar Mendes, como se ele fosse dono do seu voto e do de outros cinco ministros.
Ao conjunto da obra se junta o terrorismo explícito que se está fazendo com a saída de Lula da cadeia. É impressionante porque se ignora o fato de que ele estava prestes a deixar a prisão por outro motivo: a progressão da pena. Mais: o petista não foi declarado inocente pelo tribunal. O processo até pode ser anulado, tendo de voltar à fase da denúncia porque restou comprometida a isenção de Sergio Moro, mas isso ainda não aconteceu.
Infelizmente, o WhatsApp do seu tio e de sua tia não tem um detector de mentiras, de fake news. O Congresso, o Supremo, a Presidência, como Poderes do Estado, é que deveriam estar protegidos das baixarias produzidas na rede. Infelizmente, não estão.
Deputados e senadores se deixam contaminar pela elevação artificial da temperatura do debate — dando eficiência ao trabalho de pistoleiros a soldo. Ministros da corte suprema brasileira dizem sem receio, em seus votos, que a Constituição é menos importante do que aquilo que eles consideram ser "os anseios da população", mandado a letra das leis às favas. E o próprio presidente da República se transformou numa máquina de disparar inverdades e imprecisões.
Vive-se, assim, a particularíssima situação de termos um Congresso que, a rigor, é mais operoso do que nunca. Ainda que o Planalto nunca tenha estruturado uma base de apoio, votou-se a reforma da Previdência e se tomam providências para debater outras mudanças que são essenciais ao equilíbrio das contas públicas. Não se vai fazer, por certo, tudo o que quer Paulo Guedes, mas não se duvide de que há disposição para avançar nesse particular. E os comandantes desse esforço — Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-P) — são dois dos alvos da pistolagem.
Tensões, dissensões, contradições… Tudo isso é próprio da democracia. O país já passou por situações piores e as superou apelando às prescrições legais oferecidas pelo próprio regime democrático. O problema é que, nestes dias, até os órgãos profissionalmente comprometidos com a verdade se deixam contaminar pelo alarido produzido pelos vigaristas.
A imprensa profissional, por exemplo, anda a flertar com a tese de que uma cláusula pétrea da Constituição — o Inciso LVII do Artigo 5º —, que não pode ser alterado nem por emenda, pode ser mudado por um simples projeto de lei. Segundo a tese, bastaria um PL mudando o Artigo 283 da Código de Processo Penal, e se poderia executar uma pena antes do trânsito em julgado.
Se profissionais da informação, que deveriam ser a barreira definitiva contra a pilantragem, deixam-se contaminar por isso, o que não dizer do seu tio e da sua tia, que não têm como filtrar o que lhes chega pelo WhatsApp?
Por Reinaldo Azevedo
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