Lula ao lado de Rosângela, sua namorada, logo depois de deixar a cadeia |
Será que o discurso de Lula ainda tem eficácia?
A questão cobra exercício de futurologia.
Mesmo com seu líder maior na cadeia e com a onda bolsonarista na sua crista, o PT, tendo como candidato o relativamente desconhecido Fernando Haddad, obteve 45% dos votos válidos.
Cumpre responder: um ano depois da eleição, o Brasil está melhor ou pior? Para quem?
Os grupos militantes de um lado e de outro já sabem a resposta, não é mesmo? Como não pertenço a nenhum dos extremos de opinião, observo que há dados na economia que apontam para uma recuperação discreta. Essa melhora ainda não chegou aos mais pobres. E vai demorar para chegar.
Quanto tempo? Não sei. Não me atrevo a fazer previsões porque não sou Paulo Guedes. Ele erra todas. Por que eu acertaria?
A reforma da Previdência era necessária. A reforma do Estado que foi encaminhada, escoimados exageros e sandices (porque os há), também.
Boa parte dos analistas conseguiria explicar por que, no longo prazo, essas mudanças podem — NÃO É UMA FATALIDADE — fazer bem os pobres. Além de, no longo prazo, muitos deles estarem mortos (aliás, todos estaremos), ricos e pobres votam no curto e no médio prazos.
Os mais endinheirados, que migraram em massa para Bolsonaro, não teriam por que mudar sua opção. Alguns apostam que os pobres do futuro um dia serão gratos a Bolsonaro e a Guedes. Por enquanto, as reformas são inócuas para minorar suas agruras. Ao contrário: podem até exacerbá-las. Isso é apenas um fato.
Está em curso, por exemplo, uma degradação no atendimento à saúde que não aparece no noticiário. E o serviço não vai melhorar nem no médio nem no curto prazos.
Lembrem-se de que estamos falando sobre a eficácia do discurso, sem juízo de valor.
O Nordeste do país, que votou em massa no PT, continua a ser uma terra estrangeira para esse governo, a despeito de raras insertas do presidente na região. Em algumas áreas, a gestão pode ser classificada de catastrófica. Vejam o caso da invasão das praias nordestinas pelo óleo vindo sabe-se lá de onde, por culpa sabe-se lá de quem.
O desemprego cai discretamente, mas o trabalho que surge é de baixa qualidade e paga pouco. A reforma administrativa chega, de novo, cavalgando a demonização dos servidores públicos — em especial dos mais humildes.
O governo tem de fazer um esforço danado, nem sempre bem-sucedido, para esconder sua óbvia demofobia. Guedes queria que os gastos com inativos de saúde e educação integrassem o mínimo constitucional obrigatório para as duas áreas. Também tentou congelar o salário mínimo e as aposentadorias. Bolsonaro surgiu no noticiário como aquele que conteve os excessos de seu ministro da Economia.
A operação de mídia foi bem-sucedida, sobretudo nos mercados ("Esse Guedes é foda mesmo!"), mas traz uma questão: isso quer dizer que o governo não tem ideia nenhuma para os pobres. E as políticas antes voltadas para eles perderam importância ou se tornaram irrelevantes, como o "Minha Casa Minha Vida".
Somem-se ao conjunto a aposta renovada do presidente e sua turma na intolerância política e a desordem de sempre, tendente a aumentar, na base de apoio… E agora recoloquem a questão da eficácia do discurso lulista.
APERITIVO
Para onde vai Lula? O aperitivo oferecido no pequeno discurso logo depois que deixou a cadeia foi esperto. Criticou, nem se poderia esperar outra coisa, Sergio Moro e o próprio Bolsonaro, deu a entender que vai percorrer o país e falou sobre a sua namorada. Em vez de incendiar o parquinho, preferiu a cena amorosa.
Vai falar de novo neste sábado. Os mais radicais de sua base certamente esperam um tom um pouco mais duro, mais revanchista, de confronto. É também o que quer Bolsonaro. Depende do petista morder a isca.
Lula nunca foi burro. E sempre houve vários em um só. Sabe manter mobilizada a militância — que, sem dúvida, é hoje muito menor — e é hábil como poucos na costura de alianças, não apenas à esquerda.
O líder petista vai percorrer o país para, claro!, levar a sua mensagem. Mas não duvidem de que também vai entrar de cabeça na formação de alianças para a eleição do ano que vem. Bolsonaro, em contrapartida, resolveu derrubar a casa que o abrigava: o PSL.
Dadas tais considerações, avalie se elas fazem sentido e decida, então, se o discurso de Lula ainda pode ter alguma eficácia.
Uma coisa é fato: ele já devolveu à extrema-direita uma razão de existir. Ela andava meio sorumbática e, em alguns casos, até reflexiva, ensaiando flertes com o pensamento.
Acabou a reflexão! Chegou a hora de xingar de novo o STF e de gritar "Lula na cadeia".
Por Reinaldo Azevedo
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