quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Se ditadura não pediu licença pra matar, a utopia deles é ditadura ao menos



Jair Bolsonaro e Paulo Guedes: a dupla tem o mesmo amor pela democracia…

Todo mundo que pretende realmente colaborar para fazer do Brasil um país melhor e que torce pela retomada do crescimento econômico deve fazer um favor aos brasileiros e até ao governo: chamar as coisas pelo nome que elas têm. Sim, o ministro Paulo Guedes especulou sobre a eventual necessidade de um novo AI-5 e defendeu o uso da força para reprimir os que se opõem ao governo.

É uma tolice tentar fechar os olhos para o que está em curso ou mudar o registro do próprio ouvido. Tal postura colabora para mandar para o brejo o que é apenas um princípio de retomada da economia, de futuro ainda incerto. Ora, a fala de Guedes não é um evento isolado.

A projeto de lei enviado pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que concede excludente de ilicitude a militares e policiais em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), e a fala de Guedes evidenciam que o governo Bolsonaro acredita que a democracia é apenas uma concessão que se faz à sociedade. Se usada a contento, segundo a vontade do mandatário — ou dos mandatários —, muito bem! Caso as pessoas decidam resistir às ordens do soberano, então ele poderia recorrer a seu estoque de medidas absolutistas. É um despropósito!

Parte da imprensa tentou passar pano na fala do ministro. Depois de flertar com AI-5 — mente-se —, ele teria deixado claro que não considera essa uma alternativa aceitável. Não! Quando afirmou que a ditadura era inadmissível, ele estava sendo irônico, fazendo uma caricatura daquele que seria o comportamento típico da esquerda, que sairia por aí quebrando tudo. Na verdade, ao aparentemente rechaçar a ditadura, ele a defendeu com mais contundência.

A propósito: não consta que os esquerdistas estejam dispostos a facilitar o trabalho de Bolsonaro e Guedes, partindo para o vale-tudo. 

Até a dupla conhece o poder que têm as manifestações pacíficas. E, por isso, está com medo. Insista-se: este governo não receia quebra-quebra, violência generalizada e comportamentos afins. Ao contrário! Anseia desesperadamente por isso porque, assim, teria uma justificativa para tentar, como se dizia na pré-história da democracia, "endurecer o regime".

Em gabinetes importantes de Brasília, consolidou-se uma certeza nesta terça-feira. O ministro tenta, até porque esta é uma condição que não depende dele, emplacar suas medidas por métodos democráticos. Mas não teria nenhuma restrição em aplicá-las com o suporte de um regime autoritário. Está entre aqueles, e nisto não diverge do seu chefe, para os quais a democracia atrapalha a racionalidade.

Sim, Guedes acredita que, em certas circunstâncias, é preciso escolher ou a eficiência econômica ou o regime democrático, como se uma coisa pudesse dispensar a outra. Não por acaso, o Chile é sua ideia de paraíso na América Latina: não esse que está nas ruas, mas aquele de Pinochet.

No fim de outubro, Eduardo Bolsonaro concedeu a tal entrevista em que falou sobre a edição de um novo AI-5 caso a esquerda brasileira resolvesse imitar os protestos no Chile. O ministro da Defesa enviou ao Congresso o projeto de lei sobre excludente de ilicitude em operações de Garantia da Lei e da Ordem. Seria carta branca para matar. O presidente, em pessoa, diz que pretende recorrer a essas operações nos Estados para garantir a desocupação de áreas invadidas.

A luz da advertência se acendeu em Brasília. Chegou-se à conclusão — e nem é preciso muito esforço interpretativo para tanto — que o tema vem sendo debatido nos corredores do Palácio do Planalto. Ou seja: há gente por lá pensando o inaceitável. Há, em suma, feiticeiros a especular sobre as circunstâncias, então, em que se poderia mandar a democracia às favas para garantir a sanidade da economia. Como se fosse possível arrumar as contas de um país que estivesse em convulsão social. Se alguém tem alguma dúvida a respeito, cumpre perguntar justamente ao Chile — ao Chile de agora, não àquele em que a ditadura absoluta assassinou ao menos três mil opositores e torturou muitos outros muitos outros milhares.

O presidente do Supremo, Dias Toffoli, se manifestou: "O AI-5 é incompatível com a democracia. Não se constrói o futuro com experiências malsucedidas do passado". Também o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rechaçou a possibilidade: "Não dá mais para se usar a palavra AI-5 como se fosse 'bom dia, boa tarde, oi, cara'. Usar [o AI-5] dessa forma, mesmo que sendo para criticar o radicalismo, não faz sentido. O que uma coisa tem a ver com a outra? Vamos estimular o fechamento do Parlamento, dos direitos constitucionais do cidadão, como o habeas corpus? Foi isso que o AI-5 fez de forma mais relevante".

O governo tem condições de dar um autogolpe? Minha resposta: "não!" Mas tem, sim, poder o bastante para degradar ainda mais a democracia. Reitere-se: entre uma defesa do AI-5 (a de Eduardo) e outra (a de Guedes), o Planalto enviou ao Congresso um pedido de licença para matar. Se nem a ditadura foi tão ousada, o que essa gente tem como utopia é nada menos do que a ditadura. A lógica é irrespondível. 

Você realmente quer colaborar com o crescimento do Brasil, leitor amigo? Pois, então, faça o óbvio: repudie as tentações totalitárias.

Por Reinaldo azevedo

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