quarta-feira, 6 de novembro de 2019

No pacote fiscal, Guedes vira o falcão dos pobres, e Bolsonaro, a pomba



Mesmo com o que está sendo chamado de "os recuos de Paulo Guedes", o pacote de medidas apresentadas pelo governo, elaborado pela equipe do ministro da economia, vai implicar, se aprovado como está, a mais radical mudança havida nos gastos públicos de que se tem notícia. Vai, sim, sofrer alterações no Congresso. Como afirmei ontem aqui, quando o conteúdo das Propostas de Emendas à Constituição (PECs) ainda era apenas presumido, o caminho está correto. Resta agora saber como será a tramitação em período especialmente tumultuado. Antes de chegar ao falcão e à pomba, lembremos algumas medidas.

Como já era sabido, o Senado recebeu três PECs: a do Pacto Federativo, a da Emergência Fiscal e a dos Fundos Públicos.

AS PRINCIPAIS MEDIDAS 
A PEC do Pacto Federativo, por exemplo, cria um Conselho Fiscal no país com representantes do governo federal, do Congresso, do Judiciário, de governadores e prefeitos; estabelece que, a partir de 2026, benefícios tributários não poderão ultrapassar 2% do PIB; amplia a participação de estados e municípios na distribuição dos royalties; proíbe a União de socorrer entes da federação a partir de 2026; permite a gestão conjunta dos mínimos constitucionais para saúde e educação, sem alterar os percentuais hoje definidos e funde municípios com menos de 5 mil habitantes cuja arrecadação própria seja inferior a 10% da receita total.

A proposta da Emergência Fiscal permite que União, Estados e municípios reduzam em até 25% a jornada e os salário dos servidores. Caso seja declarada a emergência, as promoções de servidores ficam proibidas (algumas categorias são excluídas da restrição, como Judiciário, Ministério Público, policiais e militares). Os reajustes de salários, igualmente, serão suspensos. A União entrará em emergência fiscal quando o Congresso autorizar o desenquadramento da "regra de ouro", que veta o endividamento para pagar despesas correntes. Nos demais casos, a despesa corrente não pode ultrapassar 95% da receita corrente. A medida prevê ainda que excesso de arrecadação e superávit, no caso da União, sejam destinados ao abatimento da dívida pública.

A PEC dos Fundos Públicos destina dinheiro que lá está parado para o abatimento da dívida. O governo vai agora entregar a Câmara a PEC da reforma administrativa. 

Acima estão listadas as medidas de maior relevo. Mas há um calhamaço de alterações. Se, de um lado, pode-se ver nisso uma virtude porque se percebe um norte, por outro, cria uma avalanche de demandas no Congresso que vai requer muita habilidade e muita negociação. E, convenham, do ponto de vista político, não se vive o melhor momento.

FALCÃO E POMBA 

Paulo Guedes foi ao Congresso e se comportou de modo peculiar. Fez ver aos presentes e aos jornalistas que ele é, por assim dizer, o falcão do pacotaço fiscal, e o presidente Jair Bolsonaro, a pomba. E, assim, entramos no tema dos recuos.

O governo inseriu na PEC do Pacto Federativo a inclusão das despesas com inativos no mínimo constitucional que tem de ser aplicado em saúde e educação. A reação no Congresso foi imediata. 

Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidentes, respectivamente, na Câmara e do Senado, deixaram claro, de saída, que a proposta era inaceitável. A PEC que chegou ao Senado traz a medida, mas já está combinado com o governo que ela será retirada do texto.

Guedes também queria a desindexação do salário mínimo e das aposentadorias, mas voltou atrás. Houve aí, na verdade, um jogo combinado entre o ministro da Economia e o presidente.

Sabendo, por óbvio, que o Congresso jamais aprovaria tais propostas, Guedes fez parecer que estava cedendo à, digamos, inclinação do seu chefe para o social. Afirmou: 

"Nós íamos desindexar tudo. Mantivemos indexação do salário mínimo e dos benefícios previdenciários a pedido do presidente Bolsonaro. O presidente Bolsonaro é um homem de enorme intuição política. Ele disse: 'Você acaba de fazer a reforma da Previdência e você ainda quer desindexar o dinheiro dos velhinhos? Que história é essa?' É verdade, está certo, é muito cedo".

Trata-se de um jeito bastante peculiar de tratar a coisa, deixando claro que, por ele, o falcão da dupla, o pacote seria mais radical. Mas foi impedido, então, por seu chefe, que entra como a pomba da história. Está em curso, junto com o pacote, a construção de uma narrativa política que já mira, também, um cenário eleitoral.

Nessa construção, Guedes é o homem das contas, que não precisa ter medo de fazer cara de mal. Fala principalmente para os mercados, que precisam confiar nele. Bolsonaro é quem tem de conquistar os votos do eleitorado. O pacote, excluídos os exageros de Guedes, vai no caminho certo, mas não tem apelo popular. O presidente, então, entra como aquele que preservou benefícios dos mais pobres.

Por Reinaldo Azevedo

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