terça-feira, 26 de novembro de 2019

GLO, excludente de ilicitude, protestos e um presidente com sede de sangue



O Brasil não vive um clima de convulsão social. Parece, no entanto, que o presidente não se conforma com isso. E faz provocações baratas para ver se atrai as esquerdas e os descontentes com o seu governo para uma armadilha.

Ele deixou evidenciada nesta segunda que a sua intenção, ao propor excludente de ilicitude para operações de Garantia da Lei e da Ordem, tem mesmo um horizonte político. E o fez como de costume: criando supostas e falsas evidências que nem estão dadas para justificar a autorização para matar.

Afirmou o seguinte com aquele jeito peculiar de racionar, comparando tais ações a terrorismo: 
Vai tocar fogo em ônibus, pode morrer inocente; vai incendiar bancos, vai invadir ministério, isso aí não é protesto. E, se tiver GLO, já sabe que, se o Congresso nos der o que a gente está pedindo, esse protesto vai ser simplesmente impedido de ser feito".

Fiquem atentos! Uma leitura inocente diria que o presidente teme os protestos violentos. Não! Ele quase está clamando por eles para ter pretexto para arreganhar os dentes. 

O Brasil aprovou uma lei antiterrorismo, a 13.260. A então presidente Dilma Rousseff a homologou no dia 16 de maço de 2016, um mês antes de ser afastada pela Câmara, que aprovou o envio ao Senado do processo de impeachment contra ela no dia 17 de abril daquele ano.

Condutas como as listadas por Bolsonaro se enquadram, sim, na lei, desde que "cometidas por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública."

Tal lei define como práticas terroristas os seguintes atos "quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública": 

– usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;

– sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;

O Parágrafo 2º no Artigo 2º, no entanto, exclui da denominação de terrorismo: 
"a conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei."

Isso quer dizer que atos violentos restarão impunes se tiverem caráter político ou reivindicatório? A resposta é "não"! Existem outras leis para enquadrar tais condutas — inclusive a de Segurança Nacional, que foi recepcionada pela Constituição. O presidente pode ter a opinião que quiser sobre o que é terrorismo. Para o ordenamento legal, só merece tal designação aquilo que a lei assim nominar.

ABSURDO! 
Notem que, até aqui, estou lembrando ao presidente que existem leis específicas para punir condutas específicas. Em qualquer caso, é evidente que dar às forças de segurança licença para matar — excludente de ilicitude — no eventual enfrentamento de distúrbios sociais é optar pelo caos e pela barbárie.

Resta perguntar: com qual propósito?

O Chile é hoje alvo de uma investigação internacional para apurar o uso desproporcional da força na repressão a protestos. O presidente Sebastián Piñera foi obrigado a admitir que as forças de segurança se excederam no uso da violência.

Ora, é evidente que não se trata de ser condescendente com a delinquência. Mas basta ver como atuam as democracias do mundo. A França, por exemplo, enfrentou a onda dos "coletes amarelos", que praticaram atos notavelmente violentos, e nem por isso o governo enquadrou os manifestantes na lei antiterrorismo. E, por óbvio, os que foram presos cometendo crimes não restarão impunes. E, sobretudo, é preciso deixar claro que se usaram instrumentos de contenção de distúrbios, mas os policiais não foram para a rua com autorização para matar.

Sim, isso aconteceu na Bolívia sob os auspícios de um golpe militar. Que tenha sido desfechado porque Evo golpeou antes a Constituição contextualiza a tragédia, mas não muda a natureza do que lá aconteceu. 

De todo modo, o mais surrealista dessa conversa é que inexiste, felizmente, o clima de convulsão social sobre o qual Jair Bolsonaro pretende legislar. 

A sua conversa é típica de quem está numa guerra e enxerga uma parte dos brasileiros como seus inimigos. E, na condição, então, de inimigos, têm de ser eliminados.

Contra o terrorismo que não existe, Bolsonaro pretende apelar ao terror legiferante. Quem sabe, então, ele ainda tenha a chance de fazer alguns cadáveres para dizer, afinal de contas, a que veio. 

Se cair na sua conversa, o Congresso estará ele próprio, potencialmente ao menos, sujando as mãos de sangue.

Por Reinaldo Azevedo

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