segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Projetos concedem, na prática, imunidade às milícias



Como explicar que um governo obcecado por armas apresente um projeto de excludente de ilicitude, em casos de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), em que, para a execução sumária, basta que alguém esteja supostamente portando uma arma de fogo? Notem que eu nem escrevi "portando" — e a licença para matar já seria absurda —, mas "supostamente portando". Explico.

Se, à distância, um "sniper" confundir um guarda-chuva, o pedestal de um microfone ou a escultura de um santo com um fuzil, tem carta branca para atirar e matar. E, por óbvio, esse assassinato será apenas culposo, não doloso. No projeto enviado pelo general Fernando Azevedo e Silva, tudo ficará por isso mesmo caso se esteja no âmbito de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem. Já no projeto de São Sergius Morus, sempre se poderá alegar "escusável medo, surpresa ou violenta emoção."

Em qualquer caso, o morto, dadas as estatísticas, será alguém "preto de tão pobre e pobre de tão preto". 

Ainda que não fosse, cabe indagar: vamos dar aos braços do estado a licença para matar?

Mas a gravidade dos projetos enviados ao Congresso, respectivamente, pelo general Fernando Azevedo e Silva e Sergio Moro não se esgota aí. Infelizmente, órgãos policiais, especialmente no Rio, estão infiltrados pelas milícias —, que, pois, ostentam um distintivo ou um uniforme oficiais. O que esses projetos fazem é dar a grupos paramilitares a licença para executar adversários sob o pretexto de manter a lei e a ordem.

O país está ficando tragicamente patético. Com o apoio de setores da imprensa, há quem defenda que se possa jogar no lixo a presunção de inocência, que é cláusula pétrea, por meio de um simples projeto de lei. Também por esse caminho se pretende instituir no país a pena de morte. E olhem que, nesse caso, nem mesmo haveria tribunal.

Esses projetos saem da prancheta de um presidente da República que quer criar um partido que exibiu, no fim da semana passada, o seu nome numa escultura feita de cartuchos: "Aliança pelo Brasil". 

As balas daquela escultura matam pretos de tão pobres e pobres de tão pretos. 

E também têm como alvo a democracia e o estado de direito.

Por Reinaldo Azevedo

Abaixo, segue a íntegra do projeto de Lei entregue pelo general Fernando Azevedo e Silva.
Estabelece normas aplicáveis aos militares em operações de Garantia da Lei e da Ordem e aos integrantes dos órgãos a que se refere o caput do art. 144 da Constituição e da Força Nacional de Segurança Pública, quando em apoio a operações de Garantia da Lei e da Ordem.

PROJETO DE LEI Estabelece normas aplicáveis aos militares em operações de Garantia da Lei e da Ordem e aos integrantes dos órgãos a que se refere o caput do art. 144 da Constituição e da Força Nacional de Segurança Pública, quando em apoio a operações de Garantia da Lei e da Ordem.

O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º Esta Lei estabelece normas aplicáveis aos militares em operações de Garantia da Lei e da Ordem, nos termos do disposto na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se ainda aos integrantes dos órgãos a que se refere o caput do art. 144 da Constituição e da Força Nacional de Segurança Pública, quando prestarem apoio a operações de Garantia da Lei e da Ordem.

Art. 2º Em operações de Garantia da Lei e da Ordem, considera-se em legítima defesa o militar ou o agente que repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Parágrafo único. Considera-se injusta agressão, hipótese em que estará presumida a legítima defesa:
I – a prática ou a iminência da prática de:

a) ato de terrorismo nos termos do disposto na Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016; ou
b) conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal;

II – restringir a liberdade da vítima, mediante violência ou grave ameaça; ou

III – portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo.

Art. 3º Em qualquer das hipóteses de exclusão da ilicitude previstos na legislação penal, o militar ou o agente responderá somente pelo excesso doloso e o juiz poderá, ainda, atenuar a pena.

Art. 4º Não é cabível a prisão em flagrante do agente que praticar o fato nas condições previstas no art. 2º desta Lei, no caput do art. 42 do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar ou no caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.
§1º Sem prejuízo do disposto no caput, a autoridade militar ou policial instaurará o inquérito policial para apuração dos fatos.
§2º O inquérito concluído será remetido à autoridade judiciária competente, que abrirá vista ao Ministério Público.
§3º O Ministério Público, constatados indícios de excesso doloso ou da não incidência da excludente de ilicitude, poderá:
I – requisitar diligências adicionais; ou
II – oferecer, desde logo, a denúncia.

Art. 5º Verificada a existência de indício de excesso doloso ou a não incidência da excludente de ilicitude, a autoridade judiciária poderá determinar a prisão preventiva, desde que presentes os requisitos legais, mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade militar ou policial competente.

Art. 6º Se a autoridade judiciária verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente manifestamente praticou o fato nas condições previstas no art. 2º desta Lei, no caput do art. 42 do Decreto-Lei nº 1.001, de 1969 – Código Penal Militar ou no caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 1940 – Código Penal, relaxará a prisão.

Art. 7º Os militares das Forças Armadas e os integrantes dos órgãos a que se refere o caput do art. 144 da Constituição e da Força Nacional de Segurança Pública que vierem a responder a inquérito policial ou a processo judicial em decorrência de atos praticados em operações e em ações de apoio a operações de Garantia da Lei e da Ordem serão representados pela Advocacia-Geral da União.

Art. 8º Aplica-se subsidiariamente:
I – o disposto no Decreto-Lei nº 1.001, de 1969 – Código Penal Militar e no Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 – Código de Processo Penal Militar aos militares abrangidos por esta Lei; e

II – o disposto no Decreto-Lei nº 2.848, de 1940 – Código Penal e no Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal aos agentes públicos abrangidos por esta Lei.

Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

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