Ainda que em fase de criação, quando alguém disser "o partido de Bolsonaro", não estará se referindo ao partido ao qual ele pertence, mas ao partido que pertence a ele.
O presidente da República também preside agora o "Aliança pelo Brasil", que teve nesta quinta o seu ato inaugural num hotel em Brasília. A vice-presidência fica a cargo do senador Flávio Bolsonaro (RJ). Jair Renan, o Zero Quatro, já dá os primeiros passos na política e foi feito vogal da legenda. Presente, o deputado Eduardo Bolsonaro (SP), ainda filiado ao PSL, não ocupa um cargo de direção porque correria o risco de perder o mandato.
O mesmo poderia acontecer com Carlos, o vereador, filiado ao PSC. Em sua fase reclusa, não deu as caras. Mas emplacou na direção Tercio Arnaud Tomaz, que integra o chamado "Gabinete da Raiva" — aquela turminha que se encarrega das diatribes truculentas no presidente nas redes sociais.
A criação da nova legenda e seu ideário obedecem rigorosamente às prescrições de Olavo de Carvalho. Tanto quanto é possível fazer uma síntese da sua prefiguração, o Brasil não precisa de um partido de direita — segundo o ideólogo, ninguém saberia direito o que é isso no país, exceto seus alunos —, mas de um partido bolsonarista, que dê sustentação incondicional ao mandatário. Com apoio popular, ele teria condições de liderar uma revolução conservadora. A direita verdadeira nasceria só depois…
O ideário que vai se desenhando é uma mistura de caricatura de legenda de extrema-direita com hipocrisia. Entre os números disponíveis, Bolsonaro escolheu o 38. A alusão ao "trezoitão" é sutil como a família. Uma escultura feita com cartuchos de bala foi exibida no evento com o símbolo e o nome da legenda.
Leio na Folha:
(…) a Aliança foi apresentada como "um partido conservador e soberanista", contra as "falsas promessas do globalismo" e "comprometido com a autodeterminação" e com as "tradições históricas, morais e culturais da nossa nação brasileira".
(…)
As bandeiras caras ao presidente —e que pautaram sua campanha ao Palácio do Planalto em 2018— foram elencadas como tópicos prioritários do programa da sigla. São eles: o "respeito a Deus e à religião", o "respeito à memória, à identidade e à cultura do povo brasileiro", a "defesa da vida, da legítima defesa e da família" e a "garantia da ordem, da representação política e da segurança".
(…)
Também estão incluídos entre os nortes da sigla a defesa do livre mercado e do armamento da população, além de críticas ao aborto, à chamada ideologia de gênero nas escolas e ao que chamam de "ideologias nefastas" —como socialismo, comunismo, nazi-fascismo e globalismo.
ANTIGLOBALISMO?
Durante a reunião dos Brics no Brasil, Paulo Guedes, o ministro da economia do presidente que se tornou dono de um partido "antiglobalista", estava a defender uma zona de livre comércio com a China. No documento final da reunião, os países se comprometeram com as metas do "Acordo de Paris". É o globalismo que leva o país a se candidatar a uma vaga na OCDE.
O "antiglobalismo" é hoje uma mera marca publicitária de vários partidos de extrema-direita mundo afora. É, curiosamente, o seu aspecto "cosmopolita". Ao tal globalismo — uma das faces que assumiria o demônio comunista — se atribuem boa parte dos males do mundo. Um dos objetivos desse mal a ser combatido seria a destruições das culturas locais, dos valores da família e da religião. Na sua expressão mais perversa, o dito-cujo se expressa como pacifismo e antiarmamentismo. Afinal, sem um instrumento para a autodefesa, os homens são mais facilmente dominados. Entenderam? Por isso a Bíblia da extrema-direita é irmã gêmea da bala.
Eis aí o ideário do modernizador do Brasil.
Por Reinaldo Azevedo
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