quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

PEC emergencial traz marca da perfeita idiotia do liberal latino-americano



Deveria haver uma diferença entre ser um liberal e ser um perfeito idiota latino-americano — no caso, de direita. Faço aqui, claro, uma referência, ao livro "Manual do Pefeito Idiota Latino-Americano", de Plinio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montaner e Álvaro Vargas Llosa — que, confesso, já achei circunstancialmente mais engraçado.

O texto faz uma crítica dura, às vezes mais galhofeira do que técnica, a teses da esquerda latino-americana que são caudatárias de um anti-imperialismo meio mofado. Ocorre que os ventos mudaram no continente, muitos liberais chegaram ao poder e não conseguiram se livrar do bolor antipovo. É triste, mas é assim.

Por que essa introdução? Vamos ver. O governo vai ter de pagar o auxílio emergencial com PEC ou sem PEC. A rigor, é irrelevante porque isso será feito com aumento da dívida. O desembolso não está condicionado a corte nenhum de despesa. Sim, isso vai gerar barulho. Mas cumpriria indagar: cortar de onde?

É nesse ponto que não consigo alcançar, vamos dizer, o "amanhã" de certos críticos. Aí não há alternativa: ou não se dá o benefício — e a miséria vai campear, com riscos também políticos —, ou, então, paga-se o necessário, vamos dizer, fora do controle regular de despesas. Também neste ano, esse desembolso fica fora do teto de gastos, que foi pensado, de resto, para um país sem pandemia.

A equação é fácil? Não é.

FIM DOS PISOS
Ocorre que a tal PEC chega aos senadores, relatada pelo governista Márcio Bittar (MDB-AC), com o fim dos pisos constitucionais para Saúde e Educação. Lembro: os Estados são obrigados a investir em Saúde 12% da arrecadação, e os municípios, 15%. Na Educação, os dois entes têm de aplicar 25%. No caso da União, os valores, a partir de 2017, têm de ser corrigidos pela inflação: a Saúde recebia, então, 15% da Receita Corrente Líquida, e a Educação, 18% dos impostos federais.

Quando é que a gente descobre que um governo está sem eixo?

Quando se vê na iminência de emitir dívida para pagar o auxílio emergencial — afastando, assim, o risco do caos —, mas propondo, em plena pandemia, o fim dos pisos justamente em saúde e educação. Essa é uma ambição antiga de Paulo Guedes, diga-se, quando ainda não se ouvia falar de coronavírus.

Ora, é evidente que só se propõe uma coisa como essa porque se parte do princípio de que se avançaria sobre o dinheiro das duas áreas para enfrentar outras despesas. Não fosse essa certeza, por que a mudança?

Bittar tem um raciocínio singelo, que o liberalismo perfeitamente idiota costuma fazer:
"[A ideia é] devolver aos municípios, aos estados e à União o poder de legislar uma das leis mais importantes, que é a do orçamento. Até porque, vincular o orçamento da União, que é o único país democrático no mundo que tem esse grau de vinculação, não resolveu nada. Nós gastamos 6,3% do PIB nacional com educação e estamos com educação brasileira entre as 20 piores nações do mundo"

Pois é...

Não sei se é o único país do mundo que tem esse grau de vinculação. Sei que é supinamente estúpido afirmar que o país gasta 6,3% do PIB para ter uma das piores educações do mundo, sugerindo, e só assim seu raciocínio tem coerência interna, ainda que tola, que a redução de tal percentual poderia trazer mais qualidade ou seria irrelevante.

Dados da OCDE relativos a 2018 colocam o Brasil em 37º lugar em gastos per capita com Saúde, por exemplo, dada a lista das 44 economias desenvolvidas ou em desenvolvimento. Não parece ser muito honroso. Por que introduzir na tal PEC emergencial algo que, fica claro, não será aprovado?

A desvinculação gerou uma chuva de protestos no Senado, de praticamente todos os partidos.

O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tentou contemporizar:
"O que nós vamos propor é que possamos sentar os líderes partidários para entendermos justamente o alcance dessa desvinculação e se ela deve ser mantida ou não no texto. Não vai ser imposta a posição do senador Márcio Bittar e nem a minha própria posição em relação a isso".

Podem conversar à vontade.

Não passa. E é bom que não passe.

Por Reinaldo Azevedo

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