Na definição de Arthur Lira, presidente da Câmara, o deputado Daniel Silveira é "um ponto fora da curva". Convém não discutir com Lira, um especialista na geometria do poder. Líder do centrão, o chefe da Câmara é a própria curva. Frequenta duas ações penais no Supremo Tribunal Federal na condição de réu. Articula a elaboração de projeto de lei destinado a puxar os pontos de volta para a curva, dificultando a expedição de novos mandados de prisão contra parlamentares.
Começam a funcionar na Câmara, simultaneamente, dois colegiados: o Conselho de Ética, que juntava teias de aranha numa fase de inoperância que já durava mais de um ano, e um novíssimo grupo de trabalho criado para regulamentar o artigo da Constituição que estabelece que os congressistas não poderão ser presos, exceto em flagrante por crime inafiançável.
No Conselho, serão julgados os pedidos de cassação dos mandatos de Daniel Silveira, o deputado bolsonarista que se enroscou depois de ameaçar ministros da Suprema Corte; e a colega Flordelis, acusada de mandar matar o marido. No grupo constituído por Lira, será esmiuçado o artigo 53 da Constituição, que trata da imunidade dos parlamentares. O objetivo, naturalmente, é restringir novas prisões.
Cogita-se reescrever também a Lei de Segurança Nacional, ferramenta editada pela ditadura militar que foi usada para enquadrar Silveira. É entulho antigo. Deveria ter sido removido há três décadas. Vem sendo usado pelo Governo Bolsonaro contra jornalistas. Mas só agora os deputados acordaram.
Chama-se Margarete Coelho a deputada escolhida para exercer a função de relatora da proposta sobre a imunidade dos parlamentares. Ela é filiada ao PP, o mesmo partido de Arthur Lira. Presidiu a comissão sobre o pacote anticrime do então ministro da Justiça Sergio Moro —um projeto que passou por uma lipoaspiração no Congresso. Retirou-se do texto, por exemplo, o artigo que autorizava a prisão de larápios condenados na segunda instância do Judiciário.
Os resultados dos dois esforços da Câmara —os pedidos de punição e a proposta anti-flagrante— desaguarão no plenário da Câmara. Ali, um pedaço do centrão já cogita impor a Daniel Silveira uma suspensão do mandato por alguns meses, pena alternativa à cassação. Quanto às prisões em flagrante, forma-se uma densa maioria a favor de cortar as asas do Supremo.
Ironicamente, continuam no gavetão dos assuntos pendentes do Congresso inúmeros pedidos de cassação. Há o caso do Zero Três Eduardo Bolsonaro, acusado de fazer apologia ao AI-5. Há a rachadinha do Zero Um Flávio Bolsonaro. Ou a encrenca do deputado do centrão Wilson Santiago, acusado de desviar verbas que socorreriam vítimas da seca no Nordeste. Ou ainda o flagrante do senador bolsonarista Chico Rodrigues, que escondeu dinheiro nas nádegas.
O excesso de pendências indica que a agitação do Legislativo deve ser acompanhada com muita cautela. Não é porque o plenário da Câmara avalizou a prisão de um "ponto fora da curva" que as coisas mudaram. Nas próximas semanas, convém não confundir medo com honestidade, pose com dignidade, cargo eletivo com propriedade e, sobretudo, bagunça com atividade. Continuam sendo enormes e insondáveis os poderes da curva.
Por Josias de Souza
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