quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O estranho decreto de Bolsonaro



No dia 27 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro editou decreto instituindo a Política Nacional de Modernização do Estado e o Fórum Nacional de Modernização do Estado. O tema deveria ser da mais alta importância. De fato, é preciso modernizar a máquina estatal, para que seja mais ágil e mais eficiente.

Porém, justamente pela importância do tema, o Decreto 10.609/2021 é decepcionante. A maior parte do texto é uma sequência de tautologias, como se a mera menção a conceitos relacionados à modernização fosse capaz de “aumentar a eficiência e modernizar a administração pública, a prestação de serviços e o ambiente de negócios para melhor atender às necessidades dos cidadãos” – que são as finalidades do decreto.

Chama a atenção que o Decreto 10.609/2021, repleto de orientações e diretrizes para o aumento da eficiência estatal, não guarde nenhuma relação com a conduta de Bolsonaro à frente do Executivo federal. O texto seria cômico, se não fosse trágico, tendo em vista as dolorosas consequências sobre o País das ações e omissões do presidente da República.

Tome-se, como exemplo, o terceiro artigo do decreto. “São diretrizes da Política Nacional de Modernização do Estado: (i) direcionar a atuação governamental para a entrega de resultados com foco nos cidadãos; (ii) buscar o alinhamento institucional entre os atores envolvidos na política de modernização; (iii) promover um Estado moderno e ágil, capaz de atuar, de forma tempestiva e assertiva, frente aos desafios contemporâneos e às situações emergenciais”. Ao todo, são oito diretrizes.

É constrangedor avaliar a conduta do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia de covid-19 a partir dessas três diretrizes que ele mesmo propôs. A desconexão entre o comportamento do presidente da República e o seu decreto não se limita, no entanto, às três primeiras diretrizes. A sexta orientação é, por exemplo, “aprimorar as capacidades dos servidores públicos e das instituições” e a sétima, “ampliar o acesso e a qualidade dos serviços públicos”.

O governo de Jair Bolsonaro tem enormes dificuldades para cumprir seu dever primário, que é zelar pela vida e saúde da população. Ao mesmo tempo, lança-se a propor orientações teóricas, como se fosse realizá-las.

Por exemplo, a respeito da implementação da Política Nacional de Modernização do Estado, o decreto estabelece cinco grandes eixos temáticos: melhoria do ambiente de negócios próspero, ampliação das capacidades do Estado moderno, evolução dos serviços públicos, cooperação e articulação entre agentes públicos e privados e, por último, governo e transformação digital do País.

Tudo isso seria oportuno, se pudesse ser implementado por quem o propõe. Mas não é condizente assinar um decreto com tal conteúdo enquanto se promove, por exemplo, a mais irracional rinha contra as vacinas anticovid. O objetivo é mesmo tornar o Estado mais eficiente e racional?

Ao atuar assim, com essa abissal distância entre a realidade e as disposições do decreto, na verdade o presidente Jair Bolsonaro dificulta a modernização do Estado e se esquiva de promover a tão necessária reforma administrativa. Em vez de assegurar caminhos e critérios efetivos para que a máquina pública se modernize, ele está simplesmente criando mais um ato burocrático, fadado a não produzir nenhum efeito em relação à eficiência do Estado e à melhoria dos serviços públicos. A respeito de burocracia, o decreto cria ainda o Fórum Nacional de Modernização do Estado, com várias câmaras temáticas.

Se há preocupação por modernizar o Estado, o presidente Jair Bolsonaro deveria começar cuidando da eficiência de seu governo e assumindo suas responsabilidades constitucionais. Seu desempenho até aqui não o credencia a dar nenhuma aula sobre modernização do Estado. Outra medida possível é trabalhar para a aprovação de uma boa reforma administrativa, muito além do projeto enviado pelo Executivo.

Não há decreto que, por si, modernize o Estado se, por parte da Presidência da República, abundam confusões e omissões e escasseia aquela responsabilidade básica, de cada um fazer a sua parte.

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