quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Caso Flávio: Investigue-se tudo! Bobagens que servem a Moro, não aos fatos



Chega a ser cansativo ter de insistir no óbvio, mas vamos lá. Num país em que investigadores — principalmente Ministério Público, secundado pela Polícia — se tornaram a principal referência para debater leis e, sobretudo, o devido processo legal, a chance de se chegar a um bom lugar é muito difícil. Fomos sequestrados pelo punitivismo a qualquer custo, não importa muito o alvo. E, nesse particular, até que a democracia às avessas vai bem, né? E isso quer dizer que vamos muito mal. Sim, foi esse ambiente que levou Jair Bolsonaro ao poder. E, curiosamente, um dos rebentos do bolsonarismo — em sentido literal — foi parar no centro do debate: Flávio Bolsonaro.

Estamos com um problema: ou anunciamos claramente à sociedade que há quatro ministros de um tribunal superior no Brasil, justamente o de sua Câmara criminal, que votam contra os autos só para agradar ao presidente da República e sua grei — e não podemos parar nessa constatação —, ou vamos nos ater aos autos para saber se há ou não uma ilegalidade na origem na investigação. Não houve? Vamos demonstrar.

Não fiquemos apenas na esfera das ilações. Ora, se há uma ilegalidade na origem da quebra do sigilo, isso contamina o resto. E assim tem de ser. Convém que os especialistas sejam ouvidos a respeito dessa questão. "Investigadores" sempre falarão a favor de sua investigação e contra os investigados.

PECULATO NA VEIA
Eu não tenho a menor dúvida de que se praticou peculato no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. O depoimento de Fabrício Queiroz -- vamos ver se isso também se perde com a decisão do STJ, por extensão -- já o evidenciou. Ele confessou que parte dos salários dos funcionários era sequestrada por ele -- sem o conhecimento do chefe, claro... --, mas não para enriquecimento ilícito. Segundo o ex-faz-tudo de Flávio, a grana servia para contratar, de maneira clandestina, pessoas para trabalhar no gabinete.

Isso é peculato.

Definem o caput do Artigo 312 do Código Penal e seu Parágrafo 1º:
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Como se vê, a destinação do dinheiro roubado não muda o tipo penal.

Ainda que a confissão de Queiroz se torne sem efeito, há um fato criminosos envolvendo dinheiro público. Digam-me onde está escrito que o Ministério Público do Rio está proibido de dar início a uma nova investigação para apurar essa e outras práticas criminosas envolvidas no caso conhecido como "rachadinha".

Há certos juízos que são espantosos. Há países em que se pode investigar um fato criminoso uma única vez. Não é o nosso caso. Por aqui, enquanto o crime não prescrever, a investigação pode ser aberta 800 vezes se preciso. O que não se admite é o uso da prova que foi considerada ilegal. Procedimentos legais devem, então, buscar as provas lícitas.

O jurista Pedro Serrano, professor de direito da PUC-SP, afirma ao jornal O Globo:
"O promotor pode fazer um novo pedido de quebra de sigilo para embasar a investigação e caberá à Justiça concedê-lo ou não, com uma decisão devidamente fundamentada. Enquanto o crime não prescrever, o Estado ainda pode investigá-lo".

A mesma coisa afirma Armando Mesquita Neto, especialista em Direito Penal Econômico:
"A decisão do STJ não vai ser o suficiente para impedir a continuidade das investigações, já que os fatos e indícios se mantêm. No máximo, levará a um atraso. Não é uma nulidade que impede o julgamento do caso adiante. Um novo pedido do MP partirá daquilo que se tornou conhecido na quebra anterior. Inevitavelmente, será mais objetivo e focará em pessoas e empresas determinantes para as conclusões da investigação."

DESSERVIÇO
Presta-se um desserviço ao direito, aos fatos e à objetividade tratar o caso de Flávio como se ele estivesse recebendo uma sentença absolutória. Isso é mentira. O que os ministros do STJ viram no processo foi, para ser genérico, um déficit de fundamentação do juiz.

Houve, por exemplo, uma quebra generalizada de sigilo, sem a devida justificação, que, com efeito, não concorre para a boa prática do direito. Isso recebe um nome dos meios jurídicos: "fishing exploration".

Atenção! Vai em caixa alta mesmo: NÃO HÁ UMA MISERÁVEL PROVA QUE TENHA SIDO COLHIDA ATÉ AQUI QUE ESTEJA AO ABRIGO DE UMA NOVA INVESTIGAÇÃO. Isso é conversa mole. Isso não existe. Ou me digam em que diploma legal está.

Há a confissão de Fabrício. Se não puder ser usada como prova, nada impede que se parta dela, por exemplo, para que se tenha início uma nova investigação, dentro do devido processo legal, colhendo provas lícitas. E, obviamente, Flávio Bolsonaro não está imune à investigação.

Repita-se Serrano: "O promotor pode fazer um novo pedido de quebra de sigilo para embasar a investigação e caberá à Justiça concedê-lo ou não, com uma decisão devidamente fundamentada". Repita-se Mesquita Neto: "Um novo pedido do MP partirá daquilo que se tornou conhecido na quebra anterior. Inevitavelmente, será mais objetivo e focará em pessoas e empresas determinantes para as conclusões da investigação".

Destaque-se mais: os ministros do STJ não declararam a inocência de Flávio. Apontaram a cadeia que resultou em provas considerada ilícitas.

CASO LULA
Tolices idênticas às ditas no caso Flávio são repetidas quando se trata de Lula e da óbvia suspeição de Sergio Moro. Caso esta seja mesmo declarada pela Segunda Turma do Supremo, processo e condenação estão anulados. Quem disse que o Ministério Público está impedido de dar início a uma nova investigação? Mas que se faça dentro da lei.

E uma outra analogia cabe nesse caso. Por ilícitas, as provas não podem ser usadas em juízo. Mas se sabe que um crime foi cometido. A confissão de Fabrício, por exemplo, deixou isso claro.

Que se faça a nova investigação. Também as falas de procuradores capturadas pelo Telegram — captura ilícita — apontam para um crime grave: a investigação ilegal de ministros de um tribunal superior. Não podem ser usadas como provas. Mas ensejam a abertura de investigação.

Vamos botar a bola no chão.

Achincalhar a Justiça quando ela cumpre a sua obrigação sempre acaba interessando a maus atores. Serviu ao bolsonarismo em 2018. A quem se pretende que sirva em 2022? A Sergio Moro?

Por Reinaldo Azevedo

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