O Brasil sempre foi o mais antigo país do futuro do planeta. Sob Bolsonaro, isso está mudando. Antes, o Brasil era mundialmente conhecido como o país do jeito para tudo. De repente, passou a ser visto como um país que não tem jeito.
O Brasil equilibrou-se por tanto tempo na beirada do vácuo que acreditou que o abismo, a exemplo do inferno da escatologia cristã, era mais uma ficção admonitória do que a realidade de uma crise terminal. A ficção tornou-se real.
Sumiu a ideia de que o Brasil está à beira do abismo. O país experimenta a vivência do abismo. No buraco, contabiliza há 37 dias uma média de mais de mil cadáveres a cada 24 horas. Chora os mais de 250 mil mortos em um ano de pandemia.
Absorvido pela celebração ou execração do bicampeonato do Flamengo, o brasileiro demora a notar que o Brasil morre junto com as vítimas do vírus. E, suprema desgraça, o país ainda não foi para o céu.
Bolsonaro se autoimpôs a missão revolucionária de revelar ao Brasil que o inferno existe. Ele não dispõe de um plano de ação. Tem apenas um versículo do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará."
A verdade que interessa a Bolsonaro, presidente "imbrochável", é a mais profunda. Mesmo que as profundezas enlouqueçam o Brasil. Na sua busca por uma verdade sem limites, o presidente comanda o governo do não-planejamento.
Bolsonaro é a síntese do erro total. Ele faz o pior o melhor que pode. Nas últimas 48 horas, criticou o uso de máscaras e o isolamento social. Recusa-se a cometer erros novos. É como se quisesse provar que é errando que se aprende... a errar.
Contra as máscaras, Bolsonaro esgrimiu uma enquete mequetrefe como se fosse o estudo de uma universidade alemã. Contra o isolamento, disse que uma nova rodada de auxílio emergencial deveria ser bancada não pela União, mas por governadores e prefeitos malvados que pregam o lema do "fiquem em casa".
Uma morte é uma fatalidade. Meia dúzia, uma tragédia. Mais de 250 mil, para Bolsonaro, é apenas mais uma estatística. Quando havia mil mortos, Bolsonaro falou em "gripezinha". Aos 5 mil, queixou-se da "histeria".
Quando perguntaram a Bolsonaro sobre os 10 mil corpos, disse "não sou coveiro". Na marca de 20 mil, perguntou: "E daí?". Aos 30 mil mortos, declarou que "todo mundo morre um dia".
No recorde de 40 mil, Bolsonaro fez um convite: "Invadam hospitais e filmem leitos vazios". Com 50 mil mortos, continuava assegurando que "a hidroxicloroquina salva". Na ultrapassagem dos 100 mil cadáveres, declarou "vamos tocar a vida".
Agora, às voltas com mais de 250 mil mortos, Bolsonaro continua soando como Bolsonaro. Depois de tantas frases perversas, de Pazuello, de conspiração antivacina... depois de tantas barbaridades, não resta ao brasileiro senão enfrentar a tragédia.
Bolsonaro não é o problema do Brasil. O país é que é o problema dele. É possível enxergar um lado positivo na crise que Bolsonaro potencializa, mesmo que seja necessário procurar um pouco. Devagarinho, o caos transforma o Brasil num lugar perfeito para a construção de algo inteiramente novo.
Por Josias de Souza
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