quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Euforia com o novo comando da Câmara se sustenta em fake news, como se verá



Dizer o quê? Há tanta gente cantando vitória e antevendo futuros gloriosos que chega a ser difícil evocar um tantinho de realidade. Mas vamos lá. Para não perder o costume. Começo com um desafio que, obviamente, não será respondido: digam-me uma única pauta do governo relativa às tais reformas que tenha sido obstada pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) quando na Presidência da Câmara. Essa é uma mentira grotesca, que Jair Bolsonaro e Paulo Guedes usam para esconder a própria incompetência.

A julgar pela reação dos mercados e, claro!, pela fanfarronice do ministro da Economia, tudo está bem e será destravado agora. Até o habitualmente comedido Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, saiu-se com a conversa de que, com o novo comando do Congresso, fica mais fácil votar as reformas fiscais. É mesmo?

Quem foi que decidiu, por exemplo, congelar a tramitação da reforma administrativa? Resposta: Jair Bolsonaro. O ex-presidente da Câmara não tem nada com isso. Especialmente loquaz em momentos assim, Guedes já organizou até aquela que seria a hierarquia de temas. A impressão que se tem é que não houve apenas uma troca das respectivas presidências das duas Casas do Congresso. Falam como se estivesse aí um novo Poder Legislativo.

A eleição no Senado foi mais tranquila agora do que há dois anos. Há um aliado de Bolsonaro no comando: Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Mas já havia. O Planalto interferiu sem muita sutileza na eleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP) em 2019. Ali não há mudança de status, mas acordo. Pacheco contou, por exemplo, com o apoio de PT e PDT. E o MDB ficou com a primeira vice-presidência. Se estiver errado, virei aqui para anunciar o engano. Não vejo um presidente do Senado afrontando o bom senso e a institucionalidade. Como não o fez Alcolumbre, diga-se. Teve um comportamento correto.

JÁ NA CÂMARA...
Na Câmara, no entanto, os augúrios não parecem ser os melhores. A indicação da deputada Bia Kicis (PSL-DF) para a Presidência da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) parece mais um convite à guerra do que um aceno à paz. Ainda volto ao assunto.

Arthur Lira estreou na Presidência com uma decisão atrabiliária, disposto a mostrar quem manda na Casa. A anulação do bloco que apoiou a candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) como primeiro ato é retaliação detestável e evidencia desprezo pelos adversários. O deputado recuou parcialmente da decisão e agora se mostra disposto a dar às oposições dois lugares na Mesa e duas suplências. Ainda assim, é menos do que estava previsto se cumprisse as regras do jogo.

O PDT apelou ao Supremo, e Dias Toffoli deu 10 dias para Lira se explicar. É pouco provável, acho eu, que interfira em algo dessa natureza, embora, ao indicar Kicis para presidir a CCJ — o que ainda precisa ser referendado pela Comissão —, Lira pareça empenhado mandar uma banana para o Supremo. Ela é investigada no inquérito sobre as fake news.

Sim, o bolsonarismo amplia os seus postos de influência na Câmara, mas aí cabe a pergunta: isso colabora mesmo para fazer avançar a agenda do governo — seja ela qual for?

Lira conquistou 302 votos. Será esse o tamanho da base do governo? Todos sabem que não. Por que Bolsonaro decidiu esfriar a reforma administrativa? Porque sabia que não tinha votos. Quando chegar a hora de debater a reforma tributária, que mexe com interesses dos estados, é claro que não haverá uma ordem unida. A eleição de Lira custou alguns bilhões. A cada votação importante, haverá a operação "on demand", com o governo encomendando parlamentares?

ONDE ESTÁ O DINHEIRO?
Há uma outra questão de fundo importante. É preciso achar dinheiro. O Centrão, por acaso, está se comprometendo a manter o teto de gastos? Este é compatível com os seus apetites e com a intenção do governo de ampliar o Bolsa Família? De onde sairão as moedas para pagar os argentários que se reuniram de modo tão diligente para eleger Lira?

Lendo certas análises, tem-se a impressão de que, com a saída de Rodrigo Maia da presidência da Câmara, não só a base do governo se expandiu enormemente como começou a brotar dinheiro. Os primeiros embates na votação do Orçamento trarão um pouco de realidade a essa euforia sem lastro.

Por Reinaldo Azevedo

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