sexta-feira, 7 de abril de 2023

Lula trata aniversário de 100 dias como 3ª posse


Lula e o ministro da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta, no café com os jornalistas. Foto: Rudolfo Lago/Congresso em Foco Imagem: Lula e o ministro da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta, no café com os jornalistas. Foto: Rudolfo Lago/Congresso em Foco

Ao priorizar o relançamento de programas antigos sem levar à vitrine nada de novo, Lula tornou-se intelectualmente lento. Ao se render incondicionalmente à banda fisiológica do Congresso, revelou-se moralmente ligeiro. Ao retardar a formulação das reformas econômicas, mostrou-se politicamente devagar. Para um presidente que se re-re-reelegeu prometendo ao eleitorado um terceiro mandato muito melhor do que os dois anteriores, qualquer dessas velocidades é um insulto.

Nesta quinta-feira, ao compartilhar um café da manhã com jornalistas, Lula declarou que está "muito, mas muito, muito, muito satisfeito" com os primeiros resultados do seu governo seminovo. À medida que a conversa avançou, o otimismo do presidente foi esmaecendo. A certa altura, referiu-se ao aniversário dos 100 dias de gestão, a ser festejado nesta segunda-feira, como uma espécie de recomeço, uma "outra fase", marcada por estímulos à economia.

Com a recriação de programas como o crédito educativo, a aquisição de alimentos do pequeno agricultor, o Minha Casa, Minha Vida, o Mais Médicos e o Bolsa Família, o governo demonstrou que o futuro era muito melhor antigamente, quando não havia Bolsonaro. Mas o próprio Lula parece admitir que esse amanhã de ontem não corresponde ao futuro genuíno prometido na campanha presidencial como se estivesse ali, na esquina, radioso, pronto para ser apalpado num novo presente.

A caída em si

"Não vou ficar mais falando das coisas que nós fizemos. Eu vou começar a falar das coisas que nós vamos fazer daqui para frente", afirmou Lula aos jornalistas. A frase soou como uma caída em si, uma admissão de que o futuro do pretérito pode produzir desilusão no pedaço da sociedade que apostou no compromisso de que o que viria seria diferente de tudo o que já foi.

O ajuste do otimismo de Lula à realidade é um bom começo. O problema é que o futuro autêntico é um espaço impreciso. Nele, cabemos todos e cabe tudo, pois, como todo futuro, não pode ser cobrado ou conferido antes de ser construído. E a construção não depende apenas do governo. O próprio Lula admitiu, entre goles de café e mordidas no pão de queijo, que não dispõe de segurança quanto à aprovação de suas reformas no Congresso.

"É muito difícil pensar num sistema de coalizão política com a quantidade de partidos que nós temos. Com 30 partidos, é muito complicado", disse Lula, com uma ponta de resignação. Por enquanto, há mais toma lá do que dá cá no relacionamento do Executivo com o Legislativo. Lula lamentou a paralisia congressual provocada pela disputa de poder entre Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado. "Tenho certeza que os dois vão se colocar de acordo. O país não pode ficar parado."

O orgasmo

A boa notícia é que Lula ainda dispõe de três anos e nove meses para entregar o terceiro mandato consagrador que prometeu. A ótima notícia é que ele exibe disposição para o desafio. Evocou um personagem mítico. "Como dizia o doutor Ulysses Guimarães, a política é como o orgasmo para o ser humano. A gente não consegue viver sem ela."

Lula virou um presidente atípico. O destino lhe proporcionou três posses. A primeira, quando subiu a rampa para receber a faixa de representantes da sociedade. A segunda, nas pegadas do 8 de janeiro, quando presidiu uma reunião que parecia impensável. Sentado ao lado dos chefes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, recebeu governadores e representantes de todos os estados, inclusive os de oposição.

Os visitantes não tinham nenhuma reivindicação. Num desagravo coletivo à democracia, foram prestar solidariedade um dia depois do atentado bolsonarista contra os Três Poderes. Depois de percorrer um salão palaciano destroçado, Lula e os convidados desceram a rampa do Planalto e atravessaram a Praça dos Três Poderes a pé, para inspecionar as ruínas do plenário da Suprema Corte. O Capitólio bolsonarista de 8 de janeiro produziu uma improvável união nacional em torno da defesa da democracia.

As piores alternativas

Tomado pelas palavras, Lula parece decidido a converter a celebração dos 100 dias numa terceira posse. Sabe que o fantasma do extremismo político não foi inteiramente exorcizado. A consolidação do processo depende da extensão das punições. Há grande expectativa em relação ao castigo a ser imposto a Bolsonaro nas searas eleitoral e criminal. Dá-se de barato que pelo menos a inelegibilidade do capitão já é fava contada.

Nenhuma redenção será completa, entretanto, se a nova gestão for um fiasco. O mau desempenho do governo forneceria material para que um mito com pés de barro percorresse a conjuntura como cabo eleitoral de opções antidemocráticas.

Continua viva a célebre tirada de Churchill sobre a democracia ser o pior regime imaginável com exceção de todos os outros. Não é concebível que, a essa altura, os democratas se esforcem tanto para dar razão a todos os que pregam as alternativas piores.

Nenhum comentário: