sexta-feira, 7 de abril de 2023

Emendas da defesa de Bolsonaro pioraram o soneto do escândalo das joias


Imagem: TCU determinou que Bolsonaro devolva ao Planalto as joias que recebeu em suas viagens à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos. Foto: Alan Santos/PR

Orientado por seus advogados, Bolsonaro informou à Polícia Federal que mobilizou um séquito de militares para reaver as joias de R$ 16,5 milhões apreendidas na alfândega para evitar um "vexame diplomático". Quis impedir que o Brasil ficasse mal com os generosos presenteadores da Arábia Saudita.

Como evidência de que jamais tramou surrupiar os diamantes "na mão grande", Bolsonaro mencionou o fato de que o vaivém de almirantes, coronéis, tenentes e sargentos foi registrado em ofícios protocolares. Considerando-se que Bolsonaro já havia incorporado dois estojos de joias sauditas ao seu patrimônio privado, depreende-se que o vexame que ele quis evitar foi a vergonha de cair em tentação pela terceira vez.

Se a plateia entendeu bem a nova versão, o capitão agiu mais ou menos como um viciado que, conhecendo a própria fraqueza, cerca a bebida, o cigarro, a droga ou os diamantes com um sistema de alarmes contra ele mesmo. É preciso considerar todas as hipóteses. Na pior hipótese, Bolsonaro tentou ludibriar a Polícia Federal. Na melhor hipótese, o que os ofícios revelam é uma trama virtuosa, uma farsa arquitetada pelo bem do patrimônio da República.

Na hipótese mais benfazeja, Bolsonaro meteu-se numa conspiração às vésperas do fim do mantado, para evitar que sua fortuna pessoal, já engordada com a incorporação de dois pacotes de objetos de luxo, fosse vitaminada com as joias hipoteticamente destinadas a Michelle. Juntas, as peças somam uma rachadinha —ou rachadona—de R$ 18 milhões.

Além da promiscuidade da transferência de bens da União do Alvorada para a casa do amigo Nelson Piquet, onde as joias permaneceriam enquanto perdurasse o exílio de Bolsonaro na Flórida, flagrou-se um festival de velhacarias, do qual Bolsonaro foi o protagonista. Pouco importam as intenções, pois o esforço para reaver os diamantes flagrados pelo Raio X numa mochila, pior do que um crime de peculato, foi um vexame malsucedido.

A ordem do TCU para que fossem devolvidas as joias que escaparam da fiscalização alfandegária escondidas na bagagem do almirante Bento Albuquerque tornou inacreditável a boa fé de Bolsonaro. A ocultação de um terceiro estojo mesmo depois do constrangimento da primeira devolução, pulverizou a tese segundo a qual o capitão "não sabia" que presentes milionários não podem ser enfiados no caminhão de mudança como se fossem objetos de uso "personalíssimo" de um salteador.

Se a mentira serve para alguma coisa é para revelar que por baixo de uma camada de inverdades há sempre outras mentiras. É o caso da alegação de que Bolsonaro só ficou sabendo da muamba transportada desde Riad um ano depois do desembarque de Bento e sua comitiva de beatos. De novo, é preciso raciocinar com todas as hipóteses.

Na pior das hipóteses, Bolsonato quis confundir um pouco mais a Polícia Federal. Na melhor das hipóteses, o capitão adotou o comportamento de um suicida didático para ensinar à imprensa e aos investigadores que se a verdade não está por cima, por baixo é que ela não estará. Numa terceira hipótese, Bolsonaro aposta na lentidão da Justiça brasileira. Uma Justiça que tarda, mas não chega.

Uma inverdade apanhada na hora vira mentira deslavada. Se persistir por cinco anos, será apenas um lapso da imaginação de quem a pronunciou. Dez anos depois, o autor da mentira confundirá amnésia com consciência limpa. E a falsidade se transformará numa passagem épica da realidade paralela de um mito que mente até quando está sozinho. Em 15 anos, já ninguém mais se lembrará de que as emendas penduradas na defesa de um investigado indefensável pioraram o soneto de um escândalo ornamentado por joias milionárias.

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