sábado, 1 de abril de 2023

Fim da prisão especial de diplomados é democratização do inferno carcerário



Em decisão unânime, os ministros do Supremo Tribunal Federal acabaram com a prisão especial para diplomados. A hierarquização dos cárceres é uma das maiores iniquidades sociais do Brasil. Não faz nexo que um jovem pobre apanhado com pequena quantidade de droga seja enfiado numa cela superlotada e um jornalista, médico, engenheiro ou qualquer sujeito com curso superior cometa um assassinato e vá para um espaço denominado "prisão especial".

Até a condenação definitiva, anota o Código de Processo Penal, o preso diplomado será recolhido provisoriamente em um local distinto dos presos comuns. A lei qualifica a cela dos privilegiados. Informa que ela precisa atender aos "requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana".

A regalia da cana especial, agora tachada de inconstitucional pela Suprema Corte, foi instituída em 1937, sob o regime ditatorial de Getúlio Vargas. Desde então, aprovaram-se remendos legislativos que refinaram a anomalia. Mas não surgiu em 86 anos nenhum parlamentar capaz de apresentar uma proposta que eliminasse a ideia de que presos comuns são indignos aos olhos do Estado. Bastaria um projeto de lei com dois artigos:

Artigo 1º: Terão direito a prisão especial todas as pessoas que estiverem presas.

Artigo 2º: Revogam-se todas as disposições em contrário.

Como se sabe, todos os presídios brasileiros operam em estado crônico de inconstitucionalidade. A diferenciação do delinquente por sua origem social, não pela qualidade do delito, seria uma excrescência em qualquer tempo e lugar. Num país como o Brasil, onde as cadeias permanecem na Idade Média, o absurdo se torna hediondo. Na cana "comum", há presos dormindo empilhados. Ou em pé, amarrados às grades.

A ação que resultou na extinção da prisão especial de diplomados foi movida pela Procuradoria-Geral da República em 2015, na gestão de Rodrigo Janot. Relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes realçou o óbvio em seu voto:

"Apenas o fato de a cela em separado não estar superlotada já é circunstância que, por si só, acarreta melhores condições de recolhimento aos beneficiários desse direito, quando comparadas aos espaços atribuídos à população carcerária no geral — que, como se sabe, consiste em um problema gravíssimo em nosso país, podendo extrapolar em até quatro vezes o número de vagas disponíveis."

Moraes acertou o olho da mosca em dois trechos do voto vitorioso. Num, anotou: "Embora a atual realidade brasileira já desautorize a associação entre bacharelado e prestígio político, fato é que a obtenção de título acadêmico ainda é algo inacessível para a maioria da população brasileira. A extensão da prisão especial a essas pessoas caracteriza verdadeiro privilégio que, em última análise, materializa a desigualdade social e o viés seletivo do direito penal, e malfere preceito fundamental da Constituição que assegura a igualdade entre todos na lei e perante a lei".

Noutro trecho, o ministro escreveu: "Não me parece existir qualquer justificativa razoável, à luz da Constituição da República, que seja apta a respaldar a distinção de tratamento a pessoas submetidas à prisão cautelar, pelo Estado, com apoio no grau de instrução acadêmica, tratando-se de mera qualificação de ordem estritamente pessoal que, por si só, não impõe a segregação do convívio com os demais reclusos."

Moraes recordou em seu voto que a lei 10.258, sancionada em 2001, manteve no Código de Processo Penal a possibilidade de que os beneficiários de prisão especial sejam detidos em alojamentos militares, com uma estrutura infinitamente melhor do que as prisões comuns. Esse tipo de ambiente é chamado de "sala de Estado Maior" —uma hospedaria que inclui banheiro privativo, roupa de cama limpa, comida decente e banho de sol diário.

Está disponível no artigo 295 do Código de Processo Penal a lista dos delinquentes que "serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva. A relação dos membros da casta vai reproduzida abaixo:

1) Os ministros de Estado;

2) Os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia;

3) Os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados;

4) Os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito";

5) Os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

6) Os magistrados;

7) Os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;

8) Os ministros de confissão religiosa;

9) Os ministros do Tribunal de Contas;

10) Os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado.

11) Os delegados de polícia e os guardas civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.

Levando-se às últimas consequências a tese da inconstitucionalidade da cana especial, o Brasil pode alcançar a democratização do inferno carcerário. Se a universalização do acesso ao descalabro das penitenciárias for seguida do fim da impunidade, os brasileiros bem-nascidos e bem-postos logo estarão pegando em armas pela melhoria das condições carcerárias.

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