O ministro Marcelo Queiroga enfrenta algo muito parecido com um cerco. É fustigado pelo Judiciário, pela classe médica e por sua própria língua. A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal encaminhou à Procuradoria "notícia-crime" contra Queiroga e Bolsonaro para apurar, segundo as palavras do seu despacho, o "provável cometimento do crime de prevaricação" pela demora em incluir crianças no programa de vacinação contra Covid.
A Associação Médica Brasileira, AMB, divulgou nota desancando o ministro da Saúde. Acusa-o de desrespeitar normas de conduta e preceitos éticos que se esperariam de um ministro cardiologista. "Se o ministro da Saúde é um médico", diz o texto, os brasileiros esperam que "respeite o Código de Ética da Medicina." Para a entidade, Queiroga "age à margem das mais simples normas de conduta e preceitos éticos."
No afã de prestar serviços ao chefe negacionista, Queiroga acaba perdendo o controle da própria língua. Em entrevista à TV Brasil, foi questionado sobre a nota técnica em que o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, o olavista Hélio Angotti, anotou que a hidroxicloroquina é eficaz no tratamento da Covid e a vacina não. Queiroga repetiu que "ainda não está comprovada" a eficácia de medicamentos do chamado kit Covid. Mas considerou descabida "a confusão que querem criar entre vacina e cloroquina."
Queiroga inverteu a lógica. Não é que a eficácia da cloroquina contra a Covid ainda não está comprovada. A questão é que a ciência já comprovou a absoluta ineficácia do uso desse medicamento contra o vírus. É surreal que, com dois anos de pandemia, um ministro cardiologista ainda esteja escolhendo o lado da Terra plana do qual irá saltar.
Num ponto, Queiroga tem razão: é totalmente descabido valorizar a cloroquina e desqualificar vacina. O ministro renderia homenagens a lógica se demitisse o secretário que promove a confusão, depois de revogar a nota divulgada pelo auxiliar na semana passada.
A exemplo de Bolsonaro, Queiroga pratica crimes sanitários em série no Ministério da Saúde. O problema é que o procurador-geral da República Augusto Aras não age nem quando é empurrado por despachos como o da ministra Rosa Weber. E o protesto tardio da classe médica já não surte efeito sobre um ex-médico que trocou o jaleco pelo uniforme bolsonarista.
Por Josias de Souza
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