Presidente do partido de Jair Bolsonaro, o PL, e expoente do Centrão, Valdemar Costa Neto traçou um plano para retomar o comando do Banco do Nordeste (BNB) que envolve uma dança de cadeiras e até a mudança do estatuto da instituição financeira. O BNB é o principal banco regional do Brasil e sua presidência é um dos cargos mais cobiçados por políticos aliados do governo.
O Banco do Nordeste está sem presidente desde setembro do ano passado, quando Romildo Rolim foi destituído após um pedido público feito por Valdemar, que havia apadrinhado sua recondução ao cargo no ano anterior. Na época, o presidente do PL gravou um vídeo defendendo a saída de toda a diretoria do banco, depois de ter sido cobrado por Bolsonaro sobre um contrato de R$ 600 milhões do BNB firmado com uma ONG.
Ainda no ano passado, Valdemar chegou a indicar o engenheiro Ricardo Pinto Pinheiro para assumir a presidência. Mas o escolhido não foi aceito. Agora, a tentativa do mandachuva do PL é emplacar o economista José Gomes da Costa, que atualmente comanda a diretoria Financeira e de Crédito.
No plano traçado por Valdemar, Gomes da Costa deverá alterar o estatuto do banco estatal para flexibilizar as exigências de nomeação de um presidente para permitir que Pinheiro seja nomeado. Após essa manobra, o economista voltaria, então, para a Diretoria Financeira, ampliando assim a influência do PL no banco, que tem uma presença relevante na região Nordeste e deve se tornar estratégico no programa de microcrédito do governo.
O estatuto do Banco do Nordeste determina que os membros dos órgãos de administração do banco precisam ser “dotados de notórios conhecimentos, idoneidade moral, reputação ilibada, experiência e capacidade técnica compatível com o cargo”.
Pinheiro já trabalhou por nove anos no Banco Interamericano Desenvolvimento (BID), em Washington, nos Estados Unidos. A ideia é que a alteração no estatuto do BNB considere essa experiência internacional suficiente para comandar a instituição. Atuando no momento como consultor, Pinheiro já ocupou cargos na Agência Nacional do Petróleo (ANP), na Eletronorte e no Ministério de Minas e Energia.
Outros obstáculos
Entretanto, o plano do cacique do PL pode esbarrar em outro trecho do estatuto do BNB, que afirma que devem ser respeitados os requisitos da Lei das Estatais. Essa lei determina que os membros do Conselho de Administração, incluindo presidente, precisam ter experiência profissional que se enquadre em uma de três hipóteses: 10 anos, no setor público ou privado, na mesma área de atuação da empresa; quatro anos em cargo de direção em empresa de porte semelhante, em cargo comissionado ou cargo docente ou pesquisador; ou quatro anos de experiência como profissional liberal em atividade vinculada à mesma área de atuação.
Bolsonaro tem resistido ao nome de Gomes da Costa pelo fato de ele ter sido filiado ao PT no passado. Valdemar argumentou com o presidente que o cargo pertenceria ao PL, que a filiação ocorreu apenas no papel e que o economista não atuou de fato no partido de esquerda. De acordo com o registro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a filiação foi cancelada em 2009 e excluída dez anos depois, em 2019. Funcionário de carreira do banco, Gomes da Costa está na Diretoria Financeira desde dezembro, também por indicação de Valdemar. Antes, ele comandava a superintendência da Bahia, estado de influência do PT.
Enquanto o escolhido por Valdemar não é nomeado, o BNB é administrado interinamente por Anderson Possa, que comandava a Diretoria de Negócios e é funcionário de carreira da Caixa Econômica Federal. O executivo conta com o apoio do PP, partido do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira. Em fevereiro do ano passado, Ciro, então senador e presidente da legenda, divulgou em seu Instagram um vídeo ao lado de Possa. Na gravação, o então parlamentar celebrou o fato de seu estado, o Piauí, ter recebido mais de R$ 4,1 bilhões em investimentos captados junto ao BNB. A pessoas próximas, Valdemar diz que Ciro tem interesse em manter Possa no cargo para ter influência na instituição financeira.
Feudo do Centrão
Para evitar a conflagração de um conflito pelo BNB entre partidos da base, integrantes do governo chegaram a discutir a possibilidade de o banco se tonar uma subsidiária da Caixa Econômica Federal, um projeto antigo que nunca saiu do papel. A instituição financeira é considerada um feudo importante para a atuação no Nordeste de caciques do Centrão, que reagem a qualquer investida nesse sentido, ainda mais em um ano eleitoral. Há consenso entre líderes partidários de que o BNB é uma ferramenta fundamental para promover o desenvolvimento da região e colher dividendos políticos.
— O BNB dá lucro, sabe operar bem o microcrédito e tem uma carteira comercial importante. Ter um indicado no comando do BNB significa exercer uma enorme influência na região. O presidente do banco tem status de governador — disse um ex-executivo da instituição financeira.
Além de alvo de disputa política, o BNB sempre ficou sob risco de ser fundido à Caixa Econômica Federal. Essa ideia, recorrente nos últimos governos, reforçaria a Caixa, que tenta entrar com força no microcrédito e eliminaria custos administrativos para o governo federal. Contudo, o interesse de políticos sempre impediu essa fusão.
O BNB registrou em 2019, lucro líquido de R$ 1,73 bilhão. Em 2020, ano em que a pandemia do novo coronavírus afetou todos os setores da economia, a instituição apresentou resultado positivo de R$ 1,44 bilhão. Os dados consolidados de 2021 ainda não foram divulgados. Segundo a instituição, o banco realizou 4,9 milhões de operações e desembolsou ao todo R$ 41,9 bilhões no ano passado.
Instituição é marcada por escândalos
Criado em 1952 e com uma carteira de clientes que chega perto dos 900 mil, o Banco do Nordeste (BNB) se tornou foco de escândalos nos últimos governos. Desde o emblemático caso do dólar na cueca até a polêmica recente em torno da influência do PL no banco, o BNB viu sua administração ser influenciada diretamente pelo toma lá dá cá de Brasília.
O caso mais famoso ligado ao Banco do Nordeste foi a prisão de um assessor do deputado José Guimarães (PT-CE), em 2005. Em meio às denúncias do mensalão, no primeiro mandato do governo Lula, um auxiliar do parlamentar foi preso no Aeroporto de Congonhas com R$ 209 mil na mala e US$ 100 mil dentro da sua cueca. O caso ganhou repercussão nacional, e as investigações do Ministério Público Federal (MPF) indicaram que o dinheiro era, supostamente, propina obtida a partir de contratos do BNB.
O deputado voltou a ser relacionado com escândalos no banco uma década depois. Já durante as investigações da Operação Lava-Jato, o ex-vereador de Americana (SP), Alexandre Romano, preso pela operação, fechou um acordo de colaboração premiada com o MPF. Segundo Romano, Guimarães seria o beneficiário de propinas em razão de uma suposta participação em contratos do Banco do Nordeste.
Nos dois casos, Guimarães foi denunciado pelo MPF, mas as acusações não foram para a frente. No ano passado, a acusação sobre o dólar na cueca prescreveu. Já a denúncia sobre a propina foi rejeitada na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal por 2 votos a 1.
As denúncias não pararam nos anos seguintes. A principal delas ocorreu em torno de um dos principais negócios do BNB: entre 2015 e 2016, uma auditoria do Tribunal de Contas da União indicou um possível rombo de R$ 683 milhões no banco em razão de empréstimos que não eram cobrados na Justiça.
Por causa disso, o ex-presidente do BNB Roberto Smith, além de outros dez executivos, foram denunciados por gestão fraudulenta. Ao final das investigações, o MPF apontou irregularidades na gestão do Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Nordeste, o que teria provocado um rombo de R$ 1,2 bilhão no banco.
No governo Bolsonaro, o BNB continuou na mira dos investigadores: em março de 2020, a Polícia Federal deflagrou a operação Suitcase, que apurava um possível esquema de corrupção envolvendo um ex-diretor do banco. Ele teria recebido R$ 200 mil em um hotel de Fortaleza.
Em O Globo
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