Mais alguns meses e o Brasil vai começar a discutir o seu futuro. Por ora, o barulho eleitoral ocorre apenas em torno da política. O que se debate agora é se Lula vai melhor com Alckmin de vice ou se uma chapa puro sangue faz sentido (não faz). Bolsonaro testa seus generais também de olho em um vice. Ele quer alguém que meta medo. Sim, porque se Lula quer um confiável, o capitão precisa de um assustador, por isso Braga Netto entra na lista. Moro fica tateando aqui e ali enquanto Ciro e Doria permanecem esperando não se sabe bem o que. O fato é que a campanha só vai começar quando os problemas dos candidatos derem espaço para a discussão dos problemas do Brasil.
Os candidatos, que hoje apenas apontam defeitos em seus adversários, terão de mostrar como vão agir diante da série de desafios que o país terá de enfrentar depois de superada a pandemia. Todos os muitos pontos da pauta serão trazidos à luz e de nada servirá ao candidato tentar deles se afastar. Hoje, Lula foge de temas como aborto e combate à drogas de maneira a não perder votos evangélicos. Na campanha para valer ele terá de se posicionar claramente. Da mesma forma, seu principal adversário terá de falar sobre assuntos que não gosta de tratar, como sua relação íntima com a milícia, por exemplo. É assim que funciona uma campanha presidencial.
Os assuntos são muitos e todos urgentes. O eleitor quer saber o que os candidatos pretendem fazer para combater a fome, o desemprego e a desigualdade que tornam o Brasil um dos países mais injustos do mundo. Querem soluções para escolas públicas caindo aos pedaços e hospitais com quartos, salas e corredores lotados de pobres doentes, morrendo. O brasileiro está farto de retórica vazia, quer respostas para seus problemas mais cotidianos, como custo de vida, inflação, segurança pública, moradia, transporte, qualidade da água e do ar. Precisa entender como cada um dos postulantes ao cargo de presidente vai tratar das questões importantes para o funcionamento do país.
São questões pragmáticas que devem eleger o futuro presidente. Mas há outras que podem atrapalhar as candidaturas. Bolsonaro responde com gritos e chutes sempre que lhe perguntam sobre as rachadinhas praticadas por ele e seus filhos. Não poderá escapar da questão mais adiante. Também será perguntado e precisará explicar os depósitos que somam R$ 89 mil feitos por Queiroz na conta de Michelle. Assim como Lula terá de falar sobre a corrupção nas gestões petistas, o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia.
Bolsonaro será confrontado em razão do seu desgoverno, sobretudo na gestão da pandemia. Lula terá de convencer o eleitor de que nada sabia, mais uma vez. Os dois principais contendores terão de justificar o aparelhamento do estado com sindicalistas, por um, e com militares, por outro. Moro será cobrado pelas manipulações na Lava-Jato que reduziram as chances de Fernando Haddad na eleição de 2018. Os outros candidatos até gostariam de ter alguma coisa para explicar e que os tornassem protagonistas no processo, mas não têm.
Campanhas eleitorais quase sempre ajudam um país a se reencontrar. Há exceções, como a de 2018. O Brasil, que precisa saber que rumo tomará a partir de janeiro de 2023, também aguarda uma série de respostas que expliquem momentos do passado que embaraçam seus candidatos. O eleitor será chamado a dizer o que quer para o seu país. E os candidatos devem convencê-los de que têm as melhores alternativas. O debate sobre o Brasil de verdade ainda vai começar.
O irmão
Pelo menos três presidentes eleitos desde 1989 tiveram irmãos que poderiam representar riscos para a administração pública. José Sarney foi obrigado a colocar freios em um deles, que olhava com muita gula para o bolo federal. Fernando Collor tinha dois. Pedro, o mais novo, rompeu com ele e o denunciou, sendo o principal responsável pela sua derrocada, sem jamais misturar seus interesses pessoais com os do governo do irmão. Lula teve muitos irmãos que gostariam de estar mais próximos dele durante seus dois mandatos, mas nunca conseguiram brecha para tanto. Já o irmão de Bolsonaro virou lobista oficial dos interesses de políticos e empresários da Baixada Santista em Brasília. Um assessor de Bolsonaro explicou de maneira singela a movimentação de Renato Antonio Bolsonaro no Planalto: “As pessoas procuram o irmão do presidente porque não têm acesso ao presidente”.
O neto
O general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil dos dois últimos generais presidentes da ditadura, era mais democrático do que seu neto, que atende pelo mesmo nome e se apresenta como estrategista da Escola Superior de Guerra. O avô criava fórmulas eleitorais heterodoxas para tentar impedir que adversários fossem eleitos. O neto prega que simplesmente se impeça a posse de desafetos depois de eleitos. Nota de Ricardo Noblat, em que Golbery Neto diz que Lula deveria ser impedido, “da forma que for”, de tomar posse, mostra como o caráter democrático pode se deteriorar de geração para geração. E que deve ser desprezado.
As festas
A festa de Boris Johnson na residência oficial de Downing Street nem de longe se assemelhou ao churrasco de Bolsonaro no Alvorada com carne importada de mil reais o quilo. Ambas aconteceram em plena pandemia. A de Boris, que foi descoberta agora, está ameaçando a cadeira do chefe do Executivo britânico. Quando a festa de Bolsonaro veio a público, aturma da primeira fila disse que era “mimimi” contra o presidente. Brasileiro é mais bobo ou mais para trouxa?
Falta de confiança
A pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) sobre a desconfiança generalizada dos brasileiros é fácil de entender. Um povo muito enganado, em permanente estado de estupefação com os seus líderes e semelhantes, não poderia ter um sentimento diverso do revelado. Apenas 4,06% dos nossos compatriotas acreditam uns nos outros. Valor igual a um terço da média latino-americana (12,6%), quase seis vezes menor que a média mundial (25%) e cerca de dez vezes inferior ao sentimento mútuo dos povos de países ricos (41% na OCDE). Antes mesmo da lei de Gerson já era assim.
Gestos de amor
Se você tem alguma dúvida sobre que caminho seguir em 2022, pode perguntar ao bispo auxiliar da arquidiocese de Belo Horizonte e reitor da PUC-MG, Dom Joaquim Mol Guimarães. Numa postagem em rede social agradecendo cumprimentos pelos seu aniversário, Dom Joaquim recomendou o de praxe: “pequenos gestos de amor; pequenas atitudes de delicadeza; rastros de afeto; preces; e a mudança urgente e definitiva do presidente e sua corja e daquela gente afeiçoada ao desamor, das casas legislativas”.
Pinóquio
Ainda está longe de Trump, mas em se tratando de Bolsonaro pode se esperar um desempenho melhor. Segundo a agência de checagem de dados “Aos Fatos”, o presidente do Brasil fez em média 6,9 declarações falsas ou distorcidas a cada dia do ano passado. Trump chegou ao fim de seu mandato com 20 mentiras diárias, segundo o “Washington Post”. Bozo pode muito bem superar seu mestre em 2022, afinal este é um ano eleitoral, muito apropriado para sua mentirada.
Isonomia
Algumas palavras nunca deveriam ser esquecidas. Isonomia é uma delas. Largamente usada no século passado para designar tratamento igual que se deve dispensar a funcionários públicos, desde condições de trabalho até reajustes de salários, ela foi ignorada algumas vezes ao longo dos últimos anos, sobretudo nos três anos do mandato de Jair Bolsonaro, quando servidores militares ou policiais passaram a levar vantagem indevida sobre os funcionários civis. Ao que parece, agora o STF promete colocar um freio de arrumação nesta bagunça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário