O Tribunal de Contas da União (TCU) vai se tornar uma arena de disputa neste ano eleitoral. Nos próximos meses, a Corte analisará atos de pré-candidatos, como o ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol – ambos do Podemos –, além de medidas tomadas pelo presidente Jair Bolsonaro, que concorre ao segundo mandato, e por aliados do governo.
O caso que mais ganhou os holofotes, nos últimos dias, envolve os honorários recebidos por Moro quando ele prestou serviços à consultoria americana Alvarez & Marsal, administradora judicial da Odebrecht. O ministro do TCU Bruno Dantas determinou que a consultoria apresente os documentos sobre a saída de Moro, em outubro, quando ele decidiu concorrer à Presidência. Dantas quer informações sobre os valores pagos ao ex-juiz, que foi ministro da Justiça. Moro classificou a ação como “leviana”.
A menos de nove meses das eleições, o TCU virou alvo de ataques dos mais variados espectros políticos. Pré-candidato à Presidência, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) protocolou anteontem uma representação na Procuradoria-Geral da República contra Dantas, acusando-o de abuso de autoridade. “O sistema não se contenta com a volta da impunidade e busca vingança contra aqueles que trabalharam no combate à corrupção”, disse o senador ao Estadão/Broadcast. O ministro do TCU não quis se manifestar.
Podemos e Cidadania abriram negociações para uma aliança eleitoral, como mostrou o Estadão. Vieira teve atuação destacada na CPI da Covid, mas já admite desistir da disputa em nome de uma chapa mais ampla para enfrentar Bolsonaro, que, desde novembro, está no PL.
Diárias
Ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e filiado recentemente ao Podemos, Dallagnol, por sua vez, é investigado no TCU em processo que analisa uma “indústria de pagamento de diárias e passagens” a procuradores “escolhidos a dedo” pela operação. A relatoria do caso também está com Dantas. Dallagnol quer concorrer a uma vaga de deputado federal. Especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast observaram que eventual punição do TCU a Moro e a Dallagnol pode, no limite, torná-los inelegíveis com base na Lei da Ficha Limpa, embora o tema seja polêmico.
Na prática, as grandes questões do mundo público têm passado pelo crivo do tribunal, como atos relacionados à saúde, à infraestrutura, ao meio ambiente e à educação. Processos sobre gastos de Bolsonaro com cartão corporativo também desembarcaram ali. Até bandeiras do governo, como a desestatização da Eletrobras e a desoneração da folha de pagamento continuam na mira do TCU. Existem, ainda, mais de 360 ações instauradas na Corte que têm como foco a gestão do governo na pandemia de covid-19. Órgão de controle externo do governo federal, o TCU auxilia o Congresso na fiscalização da execução orçamentária.
Saúde
Neste ano, o tribunal dará andamento, por exemplo, ao processo administrativo que quer responsabilizar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por omissão na crise sanitária e possíveis irregularidades na compra de medicamentos. O general quer concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados.
O Palácio do Planalto teme que o tribunal atue para prejudicar aliados de Bolsonaro nas eleições. O argumento é o de que há uma ofensiva do Ministério Público junto ao TCU contra o primeiro escalão. O procurador Lucas Rocha Furtado tem feito uma série de representações tanto contra o governo quanto contra integrantes da Lava Jato.
Furtado afirmou que é papel do MP fiscalizar qualquer governo. “Me perguntam se seria uma perseguição. Não é. Uma etapa do processo é a execução. Outra, a fiscalização”, disse ele ao Estadão/Broadcast.
A Advocacia-Geral da União (AGU) já avalia a possibilidade de ampliar o departamento que atua no tribunal. Hoje são oito advogados dedicados a defender atos do governo ali. A ideia é que ao menos um advogado da União em cada ministério seja deslocado para ajudar em processos na Corte de contas.
Visibilidade
Para André Rosilho, coordenador do Observatório do TCU da FGV Direito SP, o tribunal tem sido um ator político cada vez mais relevante. Na prática, ganhou mais visibilidade em 2016, quando o impeachment de Dilma Rousseff foi motivado pela rejeição de suas contas na Corte. À época, o relator do processo no Senado foi Antonio Anastasia, recém-aprovado pelo Congresso para assumir uma cadeira no TCU.
“Desde 2016, o tribunal demonstrou protagonismo no campo político. É possível que, em 2022, a pauta política no TCU seja cada vez mais vista, principalmente com processos que analisam atos de futuros candidatos”, disse Rosilho.
A composição do TCU passará por mudanças em 2022. Em julho, a presidente do tribunal, Ana Arraes, vai se aposentar. Ainda não está definido quem ocupará o cargo. Atual vice-presidente, Dantas assumirá o comando da Corte em 2023, mas há uma discussão jurídica sobre a possibilidade de ele comandar o tribunal logo após a saída de Arraes. Caso não seja possível, o decano, Walton Alencar Rodrigues, é um dos cotados para o mandato-tampão.
Anastasia assumirá a vaga do ministro Raimundo Carreiro, que foi indicado por Bolsonaro para a embaixada do Brasil em Portugal. Em conversas reservadas, aliados de Bolsonaro avaliam que Anastasia, hoje no PSD, pode dar trabalho ao governo.
No Estadão
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