O ex-capitão fez a foto na cama de hospital, mas não convence. As vítimas somos nós, o povo brasileiro. E não é à toa que o séquito do ex-capitão pede preces para a recuperação do mito deles.
Os médicos que correm o risco de vir a ter que operá-lo também rezam.
E o motivo é simples: fibroses, cicatrizes internas no abdômen, aderências nas alças do intestino, são um desafio para qualquer cirurgião, que, além de habilidades, maestria, precisa de sorte para não complicar a situação do paciente nessas circunstâncias.
Embora com um quadro geral estável, alimentado por soro para que o intestino descanse e resolva fazer o que tem que ser feito, a torcida é para que se repita o sucedido em julho, quando teve uma obstrução resolvida sem cirurgia.
Tivesse o ex-capitão usufruído das suas férias imerecidas com parcimônia gastronômica e comedimento requerido para a condição que tem, poderia ter fingido que estava trabalhando nesta segunda-feira. Mas ele se acha um mito, um super-herói que desenha a si mesmo além dos limites das pessoas. E com a mesma autoilusão faz de conta que governa.
As extravagâncias fotografadas e filmadas das peripécias do candidato do Valdemar se reverteram contra ele mesmo, circunstancialmente, mas são elas também que estão levando o povo para as filas de espera de tratamento médico escasso, situação que o ex-capitão não experimenta, graças a esse mesmo povo que lhe deu o direito a tratamento VIP 24 horas por dia, todos os dias do ano, inclusive nos feriados.
Em 2018, mesmo com liberação médica, o ex-capitão se negou a participar de debates com os candidatos à Presidência da República. Está agora reensaiando a mesma cena de vítima em cama de hospital, quando ele mesmo faz a escolha de não obedecer a ciência. Nesse caso, as recomendações simples, de dieta saudável, com mastigação lenta, sem frituras, sem muito condimento, embutidos. Sobre o limite de ingestão de leite condensado, não sei.
Nada de novo no front. O ex-capitão não surpreende. Repete o script como se fosse a única história possível. Aquela de comportamento limítrofe de quem usa e abusa de si próprio e, mantendo a coerência, também agindo assim em relação ao outro, a quem igualmente desrespeita e desconsidera.
No momento em que as pesquisas mostram a desidratação política e a absoluta impaciência da população para com a gestão caótica, inconsequente, sem empatia, vem o nó nas tripas.
O intestino é também chamado de segundo cérebro. Além de processar alimentos, separando nutrientes e excretando, também processa emoções. As tripas são especialmente sensíveis a situações dolorosas, de dificuldades, e é tão comum se ouvir que alguém correu para o "troninho" quando foi submetido a um susto e então "se borrou todo". O inverso também acontece.
O ex-capitão está em sucessivas experiências de obstrução intestinal. Possivelmente, também em decorrência da primeira intervenção cirúrgica que lhe salvou a vida, mas que deixou complicações. Tem ainda o componente emocional do destempero, que expressa sem pudor. E seria fácil aceitar limites.
Mas não é assim que ele funciona. Confunde o país com um protetorado da sua família; desincumbe-se das suas responsabilidades como governante para não interromper o próprio lazer; terceiriza o trabalho para os ministros, quando milhares de famílias choram perdas afetivas e materiais na tragédia das enchentes da Bahia. Enquanto isso, brinca em parque de diversões, passeia de jet ski, de lancha, comes e bebes...
Com a imagem do dia em cama de hospital, o ex-capitão não consegue reeditar a figura da vítima. A foto é da irresponsabilidade, da destemperança, da infantilidade descabida. E nós todos brasileiros e brasileiras, pagando a conta.
Por Olga Curado
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