Em dezembro do ano passado, numa de suas aparições ao vivo nas redes sociais, Jair Bolsonaro comentou o caso que nasceu de relatório do Coaf sobre a movimentação bancária suspeita do "faz-tudo" Fabrício Queiroz. "Se algo estiver errado —seja comigo, com meu filho ou com o Queiroz— que paguemos a conta deste erro. Não podemos comungar com erro de ninguém. (…) O que a gente mais quer é que seja esclarecido o mais rápido possível, que sejam apuradas as responsabilidades, se é minha, se é do meu filho, se é do Queiroz. Ou de ninguém." Era tudo lorota.
Decorridos nove meses, o primogênito Flávio Bolsonaro frequenta o epicentro da suspeição como um caso inédito de superblindagem. O primeiro-filho teve a investigação contra si travada por duas liminares da Suprema Corte. Numa, expedida em julho por Dias Toffoli, trancou-se o inquérito que corria no Rio de Janeiro sob a alegação de que o Ministério Público obteve dados detalhados do Coaf sem autorização judicial. Algo que era tido como normal havia duas décadas. Noutra liminar, divulgada na noite desta segunda-feira (30), Gilmar Mendes reafirmou, a pedido da defesa de Flávio, o trancamento determinado por Toffoli.
A sobreposição de escudos deixa a impressão de que os investigadores acharam o mapa do tesouro. Não bastou Toffoli suspender todas as investigações do país nutridas com dados detalhados do Coaf. Bolsonaro preocupou-se em desossar o órgão. Rebatizou-o de Unidade de Inteligência Financeira (UIF). E transferiu-o para os fundões do Banco Central. Como se fosse pouco, sobreveio a decisão de Gilmar de trancar com chave extra a porta que já estava fechada. O ministro proibiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de julgar até habeas corpus ajuizados pelos advogados do Zero Um.
Na manifestação de dezembro, feita poucos dias antes de sua posse na Presidência, Jair Bolsonaro esbanjava destemor. Não via problemas em que dados do Coaf fossem jogados no ventilador: "Não sou contra vazamento. Tem que vazar tudo mesmo. Nem devia ter nada reservado. Tem que botar tudo para fora e chegar à conclusão." Algo mudou. E não é o interesse do capitão em proteger o brasileiro de eventuais excessos dos órgãos de controle. O que há de diferente é o medo, o pavor, o pânico do que vem por aí nas investigações.
Há momentos em que os fatos colocam um governante e sua biografia em relação direta, fulminante, com a história. São instantes pânicos. É quando as qualidades de um governante são submetidas a teste. Fernando Collor encarou o seu momento pânico no dia em que o irmão ligou-o aos trambiques de PC Farias. Na sequência, o motorista Eriberto informou que PC bancava o fausto da Casa da Dinda. Collor pediu 48 horas para explicar-se. Foi escorraçado do cargo.
José Sarney conheceu o seu instante pânico antes mesmo da posse, em 15 de março de 1985. Registrou-o em suas memórias. José Fragelli, então presidente do Senado, discou para sua casa de madrugada. "Não crie mais caso, você assume às 10h." Sarney manteve a equipe de Tancredo, foi manietado pelo PMDB de Ulysses Guimarães e firmou-se como um governante fraco.
João Figueiredo encontrou-se com a história no episódio do Riocentro. Em vez de apurar os fatos e punir os responsáveis, tentou tapar o sol. Saiu do Planalto com a peneira na mão. Pela porta dos fundos. Antes, pediu aos brasileiros, numa entrevista, que o esquecessem. Foi atendido.
Ernesto Geisel teve melhor sorte. O ministro Sylvio Frota (Exército) rebelou-se contra sua autoridade. Demitiu-o sem hesitações. O gesto rendeu-lhe a fama de patrono da abertura política.
Fernando Henrique Cardoso também deparou-se com um momento pânico. Permitiu e até estimulou os movimentos fartos do amigo e ministro Sérgio Mota, o Serjão. As expansões resultaram na menção ao nome do ministro, associado a uma tal "cota federal", nas fitas que documentam a compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição. Podendo afastar Serjão, ainda que temporariamente, FHC preferiu mantê-lo no posto e sufocar uma CPI. Seu governo jamais foi o mesmo.
Lula faceou seu primeiro momento pânico quando Roberto Jefferson arrancou o mensalão do armário. O moriubixaba do PT esbarrou no óbvio e seguiu em frente. Veio o petrolão. Lula deu bom dia ao óbvio e elegeu Dilma. O PT consolidou-se como máquina coletora de dinheiro. Veio a Lava Jato. Deu em delações, xilindró, impeachment, Michel Temer, deslegitimação da política e Jair Bolsonaro.
"Dói no coração da gente, porque o que nós temos de mais firme é o combate à corrupção", afirmou aquele Bolsonaro de dezembro. Agora, o capitão percorre a conjuntura como inimigo cada vez menos oculto da cruzada anticorrupção que ajudou a elegê-lo presidente. Velho amigo do PM aposentado Queiroz, o presidente e seu primogênito vivem a síndrome do que está por vir. O pânico dá a Bolsonaro a aparência de um típico político brasileiro. Grosso modo falando.
Por Josias de Souza
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