Na opinião de Bolsonaro, todo político em busca de reeleição é um ser perigoso. Numa em entrevista concedida à rádio Jovem Pan em abril de 2019, quando seu governo acabara de completar 100 dias, o capitão declarou que "a reeleição causou uma desgraça no Brasil", pois há prefeito, governador e até presidente que "se endivida, faz barbaridade, dá cambalhota, faz acordo com quem não interessa para conseguir apoio político." Soou categórico: "A reeleição é péssima no Brasil."
Decorridos dois anos e meio, Bolsonaro confirma sua profecia. Obcecado pela reeleição, o capitão entrou na fase da barbaridade e da cambalhota. Rendido aos caciques do centrão, o presidente utiliza a fome dos pobres como álibi para exterminar os últimos resquícios de responsabilidade fiscal. Paulo Guedes, cuja coluna vertebral já estava arqueada, acocorou-se. Os principais assessores do Ministério da Economia bateram em retirada.
Com o Tesouro em ruínas, Bolsonaro articulou com os coronéis do centrão uma megapedalada orçamentária que lhe permitirá gastar R$ 83 bilhões no ano eleitoral de 2022. Para chegar a essa cifra, despesas extraordinárias serão acomodados sobre uma laje acima do teto de gastos. E dívidas judiciais irrecorríveis serão enfiadas dentro do armário.
Alega-se que a pandemia tornou incontornável o reforço do Bolsa Família, que passará de R$ 189 para R$ 400. Verdade. O problema é que Bolsonaro prometia há mais de um ano colocar em pé um novo programa de renda mínima, para a fase pós-auxílio emergencial. O pagamento do vale Covid termina em 31 de outubro. E Bolsonaro oferece o Auxílio Brasil. Não é programa de renda mínima, mas uma empulhação eleitoral.
O governo poderia ter socorrido os famintos cortando o auxílio centrão (R$ 17 bilhões). Poderia ter passado na lâmina as isenções tributárias (R$ 371 bilhões). Bolsonaro optou pela cambalhota fiscal. Antes de ser formalizado, o reajuste do novo Bolsa Família é mastigado pela inflação resultante da barbaridade orçamentária. De quebra, nacos dos R$ 83 bilhões servirão para satisfazer o apetite de parlamentares por emendas secretas e verbas eleitorais.
Confirma-se uma outra previsão que Bolsonaro fizera em março do ano passado, quando a pandemia da "gripezinha" chegou ao Brasil: "Se a economia afundar, afunda o Brasil. Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo." Ao encostar nove crimes no prontuário de Bolsonaro, a CPI da Covid encurtou um pouco mais sua margem de manobra, estimulando o malabarismo.
Bolsonaro continua atribuindo a derrocada econômica à política do "fique em casa", que os governadores foram compelidos a adotar para combater a proliferação do coronavírus. A CPI reforçou a percepção de que, se tivesse combinado sua alegada preocupação econômica com uma noção qualquer de responsabilidade sanitária, Bolsonaro talvez tivesse mentido menos e comprado vacinas mais rapidamente.
Consolida-se também a migração de Paulo Guedes do posto de comandante da Economia para o de coordenador do comitê de campanha. Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, aquela em que os palavrões soaram mais alto do que as ideias, Guedes avisara: "Vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar mais, precisamos eleger o presidente."
Há cinco meses, numa entrevista à Folha, Guedes declarou que seu ministério jogou na defesa nos três primeiros anos do governo. Anunciou: "Agora, vamos para o ataque". Numa animação que não ornava com a ruína, o ministro lançou propostas ao vento: um Bolsa Família vitaminado, Bônus de Inclusão Produtiva, Bônus de Incentivo à Qualificação...
Nessa mesma entrevista, Guedes admitira que sua agenda liberal encolheu. Disse que "o grau de adesão do presidente à agenda econômica" caiu de 99% para 65%. O que espanta não é a dificuldade do ministro de reconhecer que o chefe nunca aderiu ao seu liberalismo. Bem mais indecorosa é a conversão do PhD de Chicago ao populismo autodidata de Bolsonaro e dos bacharéis do centrão. O capitão tem razão: A reeleição é mesmo "uma desgraça."
Por Josias de Souza
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