Jair Bolsonaro e Sergio Moro. A disputa pelo mercado de extrema direita os desuniu. Um achou que poderia manipular o outro Imagem: Adriano Machado/Reuters |
O presidente Jair Bolsonaro decidiu, antes que o Supremo decidisse por ele, que fará um depoimento presencial no inquérito que apura suposta interferência indevida na Polícia Federal, conforme acusação feita por Sergio Moro ao deixar o Ministério da Justiça. Havia apenas um voto proferido a respeito, justamente o do então relator do caso, ministro Celso de Mello.
A decisão de Bolsonaro fez com que o ministro Alexandre de Moraes pedisse, no começo da tarde de ontem, a suspensão da votação do Agravo Regimental interposto pela Advocacia Geral da União contra o voto de Mello. A própria AGU comunicou o interesse do presidente de fazer o depoimento presencial. Bolsonaro apenas pediu que lhe seja facultada a prerrogativa de marcar local e data. Moraes, então, propôs que se avalie se o agravo perdeu objeto.
Vamos ver. Define o Parágrafo 1º do Artigo 221 do Código de Processo Penal:
"O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, Ihes serão transmitidas por ofício."
Ocorre, meus caros, que essa prerrogativa — bem como a de ajustar com o juiz hora e local do depoimento (que Bolsonaro continua a pedir) — vale para testemunhas, não para investigados, que é a condição do presidente.
AS INVESTIGAÇÕES
Bolsonaro é alvo de quatro inquéritos no STF e de um no TSE:
1 - este de que se trata aqui, sobre suposta interferência indevida na PF;
2 - prevaricação nas lambanças envolvendo as negociações para a compra da Covaxin;
3 - foi incluído no inquérito das fake news em razão das mentiras que ajudou a veicular sobre as urnas eletrônicas;
4 - vazamento de inquérito sob sigilo, que apura invasão de dados protegidos do TSE;
5 - no TSE, tramita um inquérito administrativo, que teve origem nas afirmações que Bolsonaro fazia então, segundo as quais disporia de provas de que houve fraudes em eleições passadas. O tribunal abriu um procedimento para que ele as apresentasse, o que, obviamente, não aconteceu. O tribunal transformou-o, então, em inquérito administrativo, que apura também se, na campanha contra as urnas eletrônicas, houve abuso de poder econômico e político, corrupção, fraude, campanha antecipada etc.
A MAIS FRÁGIL
Pois bem, dadas as cinco apurações em curso, a que trata das acusações de Moro é, sem dúvida, a mais frágil. E digo por quê. Nas outras quatro, diria que as evidências são escancaradas. Façam aí um rápido exercício de memória. No caso que envolve o ex-juiz e ex-ministro, tem-se apenas palavra contra palavra.
"Ah, mas Jair Bolsonaro queria mesmo trocar o diretor-geral da PF!"
É verdade. É preciso ver se a expressão de um desejo basta para caracterizar a "interferência indevida". Com a queda de Moro, André Mendonça, então advogado-geral, foi guindado ao Ministério da Justiça, sendo depois substituído por Anderson Torres.
Torres escolheu o delegado Paulo Maiurino para a direção-geral da PF, e este, por sua vez, promoveu mudanças na cúpula do órgão, o que é normal. Quem conhece o setor afirma que Mairuino leva adiante uma gestão técnica, composta de profissionais capacitados. Todas as tentativas de lhe pespegar a pecha de "delegado a serviço de Bolsonaro" malograram.
A propósito: nesta quarta, a PF pediu ao ministro Alexandre de Moraes prorrogação do prazo do inquérito que apura o vazamento de dados sigilosos de investigação. O ministro solicitou o parecer da PGR antes de decidir.
CONFRONTO POLÍTICO
Jair Bolsonaro e Sergio Moro travaram um confronto político pela liderança do eleitorado de extrema direita. É bom lembrar que os primeiros atos contra o Supremo e o Congresso juntavam os bolsonaristas e os lavajatistas. Quando o presidente percebeu que seu ministro da Justiça buscava fazer o seu próprio jogo e, de fato, ambicionava a sua cadeira, as coisas desandaram.
Moro, então, resolveu jogar no ventilador a tese da "interferência indevida na PF". É muito pouco provável que consiga apresentar as evidências de que investigações conduzidas pelo órgão foram interrompidas ou desviadas de seu caminho por injunção de Bolsonaro. PRESTEM ATENÇÃO! NÃO É QUE BOLSONARO NÃO GOSTASSE DE FAZER ISSO E COISAS PIORES. É QUE NÃO DÁ.
Moro fez um cálculo errado. Imaginou que sua saída levaria Bolsonaro à beira do abismo e que provocaria um racha arrasador das bases bolsonaristas. Não aconteceram nem uma coisa nem outra. Bolsonaro está, sim, com um pé fora da Presidência — segundo apontam as pesquisas de agora —, mas isso nada tem a ver com Moro.
O presidente quebrou a cara ao insistir no negacionismo e no golpismo. Os desastres na economia, muito especialmente a disparada da inflação, se encarregaram de fazer o resto.
E Moro, como se vê, ainda não desistiu de sentar na cadeira do antigo chefe.
TIRANDO UMA CASQUINHA
A defesa do ex-juiz resolveu tirar uma casquinha. De maneira oblíqua, atribuiu à iniciativa do ex-ministro o pedido de Bolsonaro para fazer o depoimento presencial. Disse em nota:
"A defesa de Sergio Moro, ex-ministro da justiça, destaca que a postura adotada pela Advocacia Geral da União (AGU) de protocolar uma petição no dia de hoje, minutos antes do início da sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF), concordando com o interrogatório presencial do investigado, Jair Bolsonaro, no Inquérito 4831, tentou esvaziar o teor do agravo regimental interposto na corte. Os advogados de defesa de Sergio Moro reforçam que esse posicionamento da AGU somente confirma a procedência da tese defendida, desde o início da discussão do caso. A partir de agora, aguardamos a designação da data para a realização do ato procedimental de oitiva do investigado".
Hein?
O Agravo Regimental foi interposto pela AGU, que desistiu do recurso a pedido do presidente.
Então Moro queria o depoimento presencial e, quando Bolsonaro concorda, diz que o outro o faria só "para esvaziar o teor do agravo"? A tese nem faz sentido.
Bolsonaro recuou porque iria perder. E quis evitar a derrota. Derrota que se daria, de resto, num inquérito — ANOTEM AÍ — que não vai dar em nada porque Moro, mas uma vez, não dispõe de provas. Ele é experiente nisso.
Num confronto, aliás, entre Moro e Bolsonaro, o bom senso torce para que ambos saiam derrotados. Mas essa parada, em particular, será vencida pelo presidente. Moro só estava cuidando, como sempre, de sua candidatura à Presidência da República. É o que fazia ainda quando juiz.
Por Reinaldo Azevedo
Nenhum comentário:
Postar um comentário