Quando um projeto favorece mulheres pobres, os vetos de Jair Bolsonaro chegam a ser até naturais, para horror da sociedade civilizada
O presidente Jair Bolsonaro vetou praticamente na íntegra o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, aprovado pelo Congresso em setembro, que prevê a oferta gratuita de absorventes femininos e outros cuidados de saúde menstrual a mulheres e adolescentes vulneráveis. É mais um sintoma de que a sua flagrante insensibilidade beira a sociopatia.
A chamada “pobreza menstrual” é uma conjugação de três carências: de informação, de produtos menstruais, como absorventes ou medicamentos específicos, e de infraestrutura de saneamento.
Pelas estimativas das Nações Unidas, uma em cada quatro estudantes brasileiras já deixou de ir à aula durante a menstruação por falta de dinheiro para comprar absorventes. Nas escolas, 3% não são servidas por banheiros em condições de uso e 11,6% não têm papel higiênico. Estima-se que as adolescentes em situação de pobreza menstrual percam até 40 dias de aula por ano. Além da defasagem escolar, com o risco de evasão, as dificuldades de higiene feminina básica podem causar danos à saúde física e mental. Essas dificuldades afligem também as mulheres moradoras de rua ou encarceradas, muitas vezes obrigadas a improvisar pedaços de pano usados, roupas velhas, jornal e até miolo de pão.
Segundo os autores do projeto, o programa beneficiará cerca de 5,6 milhões de mulheres em situação de pobreza menstrual, a um custo estimado entre R$ 84 milhões e R$ 119 milhões, a depender do alcance, com recursos provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).
Apesar disso, Bolsonaro justificou seu veto argumentando, sem base na realidade, que o programa não indica uma “fonte de custeio ou medida compensatória”. O presidente que ora finge preocupação com a responsabilidade fiscal é o mesmo cujo governo articula maneiras de furar o teto de gastos para aumentar suas chances eleitorais, além de gastar dinheiro público para financiar sua campanha fora de hora, como em suas indecentes “motociatas”. Bolsonaro usa a responsabilidade fiscal como desculpa para inviabilizar projetos que favorecem as minorias que ele tanto despreza.
Segundo Bolsonaro, a proposta, ademais, “contraria o interesse público”, por ser incompatível com a “autonomia das redes e estabelecimento de ensino”. Expondo um entendimento de políticas públicas inacreditavelmente distorcido, argumentou que o benefício a uma categoria específica de pessoas (no caso, as mulheres vulneráveis) fere o propósito do SUS de garantir acesso “universal e igualitário” à saúde. A valer essa lógica torta, o SUS deveria suspender o tratamento do câncer de mama ou mesmo os partos. Vale lembrar que, no caso das mulheres sob custódia do Estado, a Lei de Execução Penal assegura produtos básicos de higiene e o atendimento médico, incluindo, por óbvio, no pré-natal e no pós-parto.
É evidente que as motivações de Bolsonaro não têm nenhuma relação com a responsabilidade fiscal, com o interesse público, com a prestação universal de saúde nem com a autonomia escolar. A única explicação plausível para sua atitude é a sua patológica falta de empatia com o sofrimento alheio, nesse caso agravada por uma indisfarçável misoginia.
Bolsonaro jamais foi capaz de exprimir um mínimo gesto de compaixão para com todas as pessoas sacrificadas pela covid-19 nem com aqueles que passam fome enquanto ele se diverte em comícios com seus sabujos País afora e foge da responsabilidade de governar como o diabo da cruz. Se a insensibilidade de Bolsonaro em relação aos pobres e aos doentes é patente, seu desprezo pelas mulheres já está incorporado, com destaque, ao anedotário da desfaçatez política do País. Quando um projeto favorece mulheres pobres, portanto, os vetos do presidente chegam a ser até naturais, para horror da sociedade civilizada.
Como em tantas outras arbitrariedades de Bolsonaro, a indigência legal e a moral manifestas nos vetos só se explicam por pura perversidade. De um modo ou de outro, eles são o retrato fiel da misantropia bolsonarista. Ao Congresso, não resta alternativa a não ser expor o presidente a mais um vexame e derrubar integralmente os seus vetos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário