sábado, 23 de outubro de 2021

Recuperação do bem-estar será a utopia ambicionada pelo eleitor em 2022



A ruína do governo Bolsonaro é um caldeirão em que se misturam mais de 600 mil cadáveres, 14,8 milhões de desempregados, 19 milhões de famintos e uma inflação de dois dígitos. Esses dados deslocam a campanha presidencial de 2022 para a arena econômica.

Até aí, nada de novo sob o Sol, pois a economia sempre foi relevante em qualquer eleição. Desperdiçarão tempo e energia os candidatos que imaginarem que cavarão uma vaga no segundo turno maldizendo o capitão. Ninguém vai eleger um presidente apenas porque ele fala mal de Bolsonaro.

Um pedaço expressivo do eleitorado está à procura de algo que, hoje, parece irrealizável. A grande utopia da sociedade brasileira é a recuperação de uma noção qualquer de bem-estar. Essa sensação não será obtida com a mera substituição do radicalismo do candidato à reeleição pela raiva dos seus opositores.

A principal tarefa da oposição é desintoxicar o ambiente e oferecer uma mercadoria que a polarização entre bolsonarismo e petismo tornou escassa na política brasileira: a esperança. A rejeição a Bolsonaro bateu em 59% no último Datafolha porque o presidente consolida-se como um estorvo à sobrevivência das pessoas.

Na área econômica, o capitão dedica-se a destruir um sistema que, construído a duras penas, assegurava a estabilidade da moeda. Com o auxílio luxuoso de Paulo Guedes, um ministro da Economia que se autoconverteu em tesoureiro do comitê de campanha, Bolsonaro pisoteia as balizas fiscais do país.

Empurra dívidas judiciais irrecorríveis para dentro de uma contabilidade paralela. Acomoda um Bolsa Reeleição de mais de R$ 80 bilhões num pavimento erguido sobre o teto de gastos. Remunera a fidelidade do centrão com um orçamento paralelo e opaco. Converte um programa social perene numa engrenagem de compra de votos improvisada em cima do joelho.

O assistencialismo populista leva o dólar às alturas, alimentando uma inflação que mastigará o suposto benefício de R$ 400 oferecido a 17 milhões de famílias que frequentam a fila do osso. Correndo atrás do prejuízo, o Banco Central eleva os juros que inibem os investimentos que poderiam diminuir a fila do desemprego.

Na prática, Bolsonaro tornou-se sócio da inflação que atormenta os pobres que ele finge socorrer. Um socorro genuíno dependeria de providências que um presidente da cota do centrão não tem condições de adotar. Por exemplo: o corte do orçamento paralelo que irriga o fisiologismo parlamentar. Ou a eliminação de incentivos tributários que fazem a alegria de empresários com bons amigos no Congresso. Ou ainda a privatização de estatais que servem de cabides para apaniguados políticos ou fardas com fins lucrativos.

A inflação acumulada em 12 meses bateu em 10,25% em setembro. A última vez que a carestia alcançou semelhante patamar foi no governo ruinoso de Dilma Rousseff. O dragão começou a lançar chamas ameaçadoras em 2015. Ultrapassou a marca simbólica dos dois dígitos em 2016.

Hoje, Lula percorre a conjuntura como favorito vendendo a perspectiva de retomar indicadores que o tornaram popular. Como se não tivesse nada a ver com a ruína da gerentona que se empenhou em eleger um par de vezes. Confunde amnésia com consciência limpa.

Bolsonaro tampouco enxerga um culpado na imagem do espelho. Submetido a uma confluência atordoante de crises —fiscal, energética, econômica e ambiental— atribui a derrocada à política de isolamento social que os governadores foram compelidos a adotar para combater o coronavírus.

As conclusões da CPI da Covid retiraram do presidente seu papel predileto: o de culpar os outros pelas crises que fabricou ou ajudou a agravar. O relatório a ser aprovado na próxima terça-feira pela Comissão Parlamentar de Inquérito demonstra, com fartura de provas, que o Brasil seria outro se Bolsonaro tivesse adotado um comportamento de anti-Bolsonaro, coordenando o enfrentamento da pandemia, renegando a cloroquina e comprando por opção as vacinas que comprou tardiamente por pressão.

Desmoralizado, Paulo Guedes mimetiza o chefe, terceirizando o seu fracasso a um hipotético "meteoro" dos precatórios, à leniência do Congresso com as reformas e à pandemia. Lorotas. Em 2019, quando ainda não havia o coronavírus, entregou um pibinho de 1,4%. Promessas como a de arrecadar R$ 1 trilhão em privatizações esbarraram no desinteresse do seu chefe. O excesso de gogó levou às sucessivas debandadas de integrantes da equipe econômica.

Estimava-se que a inflação cairia lentamente, fechando 2021 em algo como 8,5%. A irresponsabilidade fiscal e o dólar irascível ameaçam a previsão. A carestia é maior na gôndola do supermercado, na conta de luz e no botijão de gás. Em condições normais, o desemprego tende a decair neste segundo semestre. Coisa sazonal. Nada que se pareça com um movimento consistente.

O crescimento econômico de 2021 é meramente estatístico. Para o ano eleitoral de 2022 espera-se mais um pibinho nas cercanias de 1%, talvez menos. Os mais pessimistas contemplam a hipótese de recessão.

É contra esse pano de fundo envenenado que os candidatos pedirão votos. A moderação tornou-se um ativo eleitoral. O ódio já elegeu três presidentes no Brasil: Jânio Quadros, Fernando Collor e o próprio Bolsonaro. Eles são muito diferentes um do outro. Mas têm algo em comum: no exercício do poder, revelaram-se impostores. Jânio renunciou. Collor foi escorraçado do Planalto.

Bolsonaro sobrevive graças à blindagem oferecida por duas autoridades que desonram os cargos que ocupam: o procurador-geral da República Augusto Aras e o presidente da Câmara Arthur Lira. Um rumina a expectativa de virar ministro do Supremo. Outro lucra arrancando verbas secretas do desgoverno.

Os escudos oferecidos por Aras e Lira infectaram Bolsonaro com o pior tipo de ilusão que pode acometer um presidente: a ilusão de que preside.

Por Josias de Souza

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