Mais de 60 deputados democratas do Congresso dos Estados Unidos enviaram uma carta ao presidente Joe Biden nesta quinta-feira, na qual manifestam “profunda preocupação com a busca do presidente Jair Bolsonaro por políticas no Brasil que ameaçam o regime democrático, os direitos humanos, a saúde pública e o meio ambiente”.
Na carta, à qual a BBC Brasil teve acesso primeiro, os congressistas pedem que o Brasil perca o status de aliado preferencial extra-Otan, concedido pelo então presidente Donald Trump em 2019 e que possibilita ao país obter equipamentos militares americanos de segunda mão por preços mais baixos.
Os congressistas também pedem que os Estados Unidos retirem seu apoio à elevação do Brasil à condição de "parceiro global da Otan", que teria sido proposto na viagem do conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, a Brasília no começo de agosto. O apoio viria em troca de políticas contrárias à China por parte do governo brasileiro, como a interdição da participação da Huawei no leilão da banda de telefonia 5G, previsto para 4 de novembro — a companhia chinesa poderá participar da disputa pela instalação da infraestrutura da rede comercial 5G, mas não da rede privativa do governo.
“O histórico deplorável de Bolsonaro no cargo exige uma revisão urgente das relações EUA-Brasil, com foco na identificação de ajustes potenciais no relacionamento que poderiam fornecer uma alavanca para incentivar um comportamento menos prejudicial”, dizem os congressistas.
“Essa revisão deve incluir a cooperação bilateral no combate às drogas e ao terrorismo e, mais notavelmente, a oferta feita ao Brasil para se tornar um parceiro global da Otan. Em 2019, o Brasil foi designado aliado preferencial extra-Otan. Bolsonaro usou essa designação para seu benefício político, citando-a como uma grande conquista e um selo de aprovação do governo dos Estados Unidos”, afirma a carta.
A condição de aliado extra-Otan foi concedida na primeira viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos como presidente, em março de 2019. Atualmente, 17 países desfrutam do status. Na época, a condição foi entendida como um agrado a setores militares, um dos principais eixos de apoio do governo brasileiro. Ao longo desses dois anos e meio, o Brasil não desfrutou da condição para obter melhorias substanciais em seus equipamentos militares.
A carta foi escrita pelo deputado Hank Johnson, da Geórgia, e coassinada por outros 62 parlamentares. Juntos, eles somam mais de um quarto da bancada democrata na Câmara. Outros expoentes do partido, como a deputada progressista Alexandra Ocasio-Cortez, estão entre os signatários.
À BBC, Johnson disse que a revisão da relação é necessária para que haja garantias de que os EUA não estão "fortalecendo um Exército que pode ser usado para um golpe de Estado". Segundo o deputado, "Bolsonaro já demonstrou que está organizando as condições para um golpe militar. É um cenário alarmante para o Brasil e nosso país não pode contribuir com isso".
O documento se soma a diversas outras missivas de políticos democratas exigindo de Biden uma postura mais ativa contra o governo brasileiro. Há duas semanas, quatro senadores democratas escreveram ao presidente americano alertando para a “deterioração da democracia brasileira” sob Jair Bolsonaro e pedindo que ele advirta o colega do Brasil para "sérias consequências" caso haja uma ruptura democrática no país antes das eleições de 2022.
Em abril deste ano, 15 senadores instaram Biden a suspender a assistência financeira ao Brasil, a menos que demonstre que está reduzindo o desmatamento na Amazônia e reprimindo os crimes ambientais.
A nova carta ainda cita violações de direitos humanos no Brasil, como a operação policial em maio que resultou em 28 mortos no Jacarezinho, e “políticas irresponsáveis” que resultaram em mais de 600 mil mortos pela Covid-19.”Pedimos que o senhor envie uma mensagem clara ao governo Bolsonaro de que, se os ataques do presidente Bolsonaro ao processo eleitoral brasileiro continuarem, as relações Brasil-Estados Unidos ficarão seriamente comprometidas”, pedem os deputados a Biden.
A despeito da pressão, o governo Biden até aqui mantém relações pragmáticas com o governo Bolsonaro, concentrada em questões prioritárias para os Estados Unidos, sobretudo a redução da influência da China no país. Embora tenha atacado a política ambiental do governo brasileiro na campanha eleitoral do ano passado, desde que assumiu o poder Biden evitou abrir frentes de conflito com o Brasil, decepcionando a ala esquerda do Partido Democrata.
Por outro lado, Biden ainda não conversou por telefone com Bolsonaro, como já fez com grande parte dos chefes de Estado sul-americanos. Na visita de Sullivan, que foi o funcionário de mais alto nível do governo Biden a vir ao Brasil, foi divulgada depois da partida dele uma nota na qual a Embaixada dos EUA informava que “a delegação afirmou [às autoridades do Brasil] ter grande confiança na capacidade das instituições brasileiras de realizar uma eleição justa em 2022" e também"ressaltou a importância de preservar a confiança no processo eleitoral que tem longa história de legitimidade no Brasil”.
Em O Globo
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