quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Gestão 'Bolzuello' produz um apagão na Saúde



Ninguém disse ainda, talvez por pena da sociedade brasileira, mas o Ministério da Saúde vive um apagão. Deve-se o flagelo à gestão Bolzuello, um híbrido resultante da cruza do negacionismo do capitão Jair Bolsonaro com o servilismo do general Eduardo Pazuello.

Convertida pela pandemia na pasta mais visível da Esplanada, o Ministério da Saúde experimentou duas transformações. Virou uma trincheira militar. E tornou-se irrelevante na gestão da maior crise sanitária do século. Evolui do paraíso para o inferno. Num, sobra cloroquina no almoxarifado. Noutro, faltam vacinas.

No momento, o híbrido Bolzuello desce os círculos do inferno. Na conta de Dante, são nove círculos de sofrimento. O problema dessa travessia é que o Brasil é obrigado a sofrer junto. O suposto ministro da Saúde não consegue se entender nem consigo mesmo.

Menos de 24 horas depois de informar aos governadores que nenhuma vacina seria aplicada no Brasil antes de purgar uma análise de 60 dias na Anvisa, Bolzuello reconhece a existência de ritos emergenciais. Agora, sustenta que a vacina da Pfizer, nova aposta do governo, pode ser aplicada ainda em dezembro.

Em duas semanas, é a terceira vez que Bolzuello ajusta a previsão do início da vacinação. Quem tem tantos prazos, não possui nenhum prazo. A prioridade do híbrido brasiliense é furar o calendário de João Doria, que marcou para 25 de janeiro a estreia da CoronaVac. Falta a Bolzuello o essencial: a vacina.

Em dois anos, a Saúde passou por um processo de franca avacalhação. Sob o ortopedista Henrique Mandetta, a pasta era chefiada por um ministro de conteúdo oposicionista. Bolsonaro dizia uma coisa, Mandetta fazia o contrário.

Mandetta tomou o rumo da porta de saída numa entrevista ao programa Fantástico, em 12 de abril. Nela, disse que, na guerra contra o coronavírus, o brasileiro "não sabe se escuta o ministro da Saúde ou o presidente."

Horas antes da espetada do então ministro, Bolsonaro dissera numa videoconferência com religiosos: "Parece que está começando a ir embora essa questão do vírus, mas está chegando e batendo forte a questão do desemprego."

Os diagnósticos positivos para o coronavírus somavam, então, 22.169. Os mortos, 1.223. Hoje, há mais 6,6 milhões de casos. A soma dos mortos ultrapassa os 178 mil. E o nível de contágio tem viés de alta. O vírus recrudesce. E sobe o desemprego.

Nelson Teich, o sucessor de Mandetta, durou 28 dias no cargo. Percebeu que os parafusos de sua poltrona estavam frouxos na noite do dia 11 de maio. Pregava o isolamento social numa entrevista. Foi informado por um repórter de que Bolsonaro editara, sem consultá-lo, um decreto autorizando a retomada de três atividades "essenciais": academias de ginástica, salões de beleza e barbearias.

Quatro dias depois, em 15 de maio, já convencido de que se tornara um ministro não essencial, Teich pediu demissão. Os casos confirmados de coronavírus haviam chegado a 218.223. Os mortos somavam 14.817. O vírus que Bolsonaro imaginava, no mês anterior, que começava a "ir embora" estava decidido a desqualificar o presidente, cuja genialidade não tem comprovação científica.

Com Bolzuello, a pasta da Saúde atingiu o estágio da perfeição bolsonarista. Bolsonaro manda, Pazuello obedece. Há um mês e meio, governadores reuniram-se com Pazuello, para definir um plano nacional de vacinação. Saíram satisfeitos. O suposto ministro incluíra até a CoronaVac do Butantan no seu planejamento de imunização. Firmou um protocolo para a aquisição de 46 milhões de doses.

A euforia durou pouco. No dia seguinte, Bolsonaro recordou a Pazuello que sua autonomia no comando da pasta é uma ficção. O protocolo foi rasgado. O capitão esclareceu que a "vacina chinesa do João Doria" não seria adquirida.

Por mal dos pecados, o vírus aninhou-se no organismo de Pazuello. Convalescendo da Covid, o general recebeu a visita do capitão. A dupla exibiu-se num vídeo. O ministro presumido resumiu na peça o seu papel: "É simples assim, um manda e o outro obedece."

Ironicamente, coube a Nelson Teich, o breve, fazer o diagnóstico mais preciso do apagão que estava por vir. Fora do ministério, o doutor espantou-se com o modo confuso como o país flexibilizava a tática do isolamento social.

Na falta de uma coordenação central, disse Teich no último mês de julho, "o modelo atual para liberar a economia pode acabar em inúmeras idas e vindas", num sistema em que "a mesma coisa é feita repetidas vezes na ilusão de que, em algum momento, vai funcionar. É quase a espera de um milagre."

O milagre existia apenas na cabeça de Bolsonaro. "Preservamos vidas e empregos sem propagar o pânico", declarara o presidente na semana anterior. Para ele, "nenhum país do mundo fez como o Brasil".

De fato, o governo fez o pior da melhor maneira que pôde na gestão da pandemia. Hoje, decorridos sete meses do início da gestão Bolzuello na Saúde, o brasileiro assiste a dois espetáculos.

Num, os ingleses inauguram o processo de vacinação que deve se espraiar pelo resto da Europa, pelos Estados Unidos e até pelos vizinhos da América Latina. Noutro, governadores pressionam Bolzuello para que leve à vitrine um plano nacional de vacinação.

Na origem da crise sanitária, Bolsonaro acorrentou-se a um negacionismo tosco. Desde então, sempre que não sabe o que dizer sobre o coronavírus e as mortes que ele produz em escala industrial, o presidente recorre a duas ideias fixas: a volta à "normalidade" e os efeitos milagrosos da cloroquina.

Até aqui, Bolsonaro comportava-se como um sujeito que bate com a cabeça na parede, na expectativa de que a qualquer momento a parede vai se transformar numa porta. A chegada da vacina força o personagem a concluir que vivia uma alucinação.

O Ministério da Saúde é, no momento, parte do delírio do presidente. O híbrido Bolzuello inocula nas Forças Armadas e no pedaço do governo que ainda opera com dois neurônios o vírus do constrangimento.

Todos já perceberam a existência de um apagão. Falta admitir erros e corrigir rumos. Algo que só ocorreria se Bolsonaro desse o braço a torcer. Como é improvável que isso ocorra, o Brasil está condenado a sofrer na pandemia mais do que seria admissível. Há dois vírus na praça: o coronavírus e a inépcia.

Por Josias de Souza

3 comentários:

AHT disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
AHT disse...

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BATEM TAMBOR


Batem tambor, falam, falam e olhando ao redor,
Arminha fazem e apontam imaginários alvos
Tentando impressionar os cidadãos – que,
Entediados, não prestam mais atenção.
Mas essa patota no poder insiste

Todos os dias. Chega a dar agonia.
A metade do mandato está se passando e
Mais arminhas e pontarias fazem, são falantes,
Batem tambor e, seus seguidores? Sempre a postos!
O comandante fala, faz lives, gera conflitos, exagera e,
Repreendido pela oposição e a sociedade, disfarça e recua.


AHT
09/12/2020

AHT disse...

Bolsonaro, quem diria que seria mais um do mesmo. Não cumpre promessas importantes, mas cumpre promessas “perfumarias”. Faz acordos até com aqueles que dizia que não faria. Troca o que dizia que não trocaria. Se livra daqueles que, por mais competentes, corretos sejam e estejam, não interessam mais ao seu jogo. Em tudo que faz sempre está encaixando a sua obsessiva campanha pela reeleição em 2022.

Na pandemia, quando questionado, soltou alguns “E daí?”. Ou, dando uma de líder forte e “marrento”, não tendo o que argumentar diante de tantos mortos pela Covid-19, e aparentando indiferença, simplesmente dizendo na bucha que “um dia todos irão morrer”, como se isso justificasse a falta de ações eficientes, eficazes e efetivas por parte do governo.

Mantendo o Ministério da Saúde e a ANVISA sob sua vigilância, interferiu sempre que julgou necessário e causando conflitos ao desautorizar declarações e decisões de ministros e outros cargos. Tudo para manter a “coerência” de seus discursos e foco na reeleição, sem perder seguidores, ativistas e eleitores que nele já tinham acreditado.

Porém, mais uma vez Bolsonaro disfarçou e recuou. Em plena segunda semana de dezembro ao ser confrontado por governadores, autoridades e sofrer pressões da sociedade, ao sentir o drama e o risco de não conseguir a reeleição em 2022, e até comentários sugerindo o risco de sofrer um processo de impeachment, imediatamente mandou o ministro da Saúde declarar - mesmo que contradizendo declarações e supostas decisões anteriores -, a surpreendente informação para a imprensa que a vacinação já poderia ser em final de dezembro ou início de janeiro, “se Pfizer obtiver autorização emergencial, dependendo também de a farmacêutica conseguir 'adiantar' algumas doses. Essa etapa emergencial atenderia a uma parte restrita da população”.

Ora, como isso seria possível – se, até o momento nenhuma negociação para compra e a logística para importação e transporte da vacina teria sido iniciada? Quanto a essa possibilidade de antecipação da vacinação, deveremos acreditar em qual das personalidades dessa dupla hierarquicamente afinada na “marra”?


AHT
09/12/2020