sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Bolsonaro ainda vai produzir clamor por vacinas



Ou Jair Bolsonaro tem uma estratégia capaz de causar inveja aos líderes dos países civilizados que correm para providenciar vacinas contra covid-19 ou o presidente brasileiro está acorrentado a uma tática suicida. Bolsonaro lida com a vacinação da mesma forma como lidou com todos os outros problemas, na base da transferência de responsabilidades.

Falando aos devotos do cercadinho do Alvorada sobre vacinas, Bolsonaro declarou: "Se tiver um efeito colateral ou um problema qualquer, já sabem que não vão poder cobrar de mim." Um presidente convencional diria algo assim: "O brasileiro deve ficar tranquilo, porque meu governo está agindo para prover vacinas rapidamente. E a Anvisa zelará para que elas sejam seguras e eficazes."

O país precisa de reformas econômicas? Bolsonaro diz que o governo já fez a sua parte. E transfere a responsabilidade para o Congresso. A ausência de vacina impõe a tática do isolamento social? O presidente se apressa em dizer que governadores e prefeitos terão de responder pelo tombo na economia. Chegou a hora da vacinação? Bolsonaro se auto-converte em garoto-propaganda do direito de não se vacinar. E passa a trombetear o risco de efeitos colaterais.

Se Bolsonaro estivesse certo na sua aversão à necessidade de assumir responsabilidades, ele seria um candidato imbatível não à reeleição, mas ao posto de gênio da humanidade. Se estiver errado, como a derrota de Donald Trump nos Estados Unidos faz supor, corre o risco de cair na sua própria armadilha.

Na próxima semana, os brasileiros assistirão pela TV ao início da vacinação dos ingleses. Na sequência, os telejornais exibirão franceses e alemães na fila da vacina. São Paulo diz que suas vacinas, uma vez certificadas pela Anvisa, começarão a ser aplicadas em janeiro. O governo federal prevê que não terá imunizantes a oferecer antes de março.

Bolsonaro imagina que desestimula a vacinação com suas declarações anti-vacina. Na verdade, seu lero-lero tóxico pode acabar provocando um benfazejo efeito colateral: um clamor pela vacina. O presidente pode ter de fazer por pressão o que proibiu o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) de fazer por opção quando firmou convenio com o Butantan para a compra de milhões de doses da CoronaVac, a "vacina chinesa do João Doria."

Por Josias de Souza

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