A ineficiência do Ministério da Saúde mudou de patamar. Sob o general Eduardo Pazuello, a pasta havia se transformado numa trincheira. Os militares continuam lá. Mas assumiu o comando do plano nacional de vacinação contra a Covid uma velha conhecida dos brasileiros: Mãe Joana. Graças às artimanhas da veneranda senhora, a inépcia sanitária do governo atingiu o ápice. Nesse novo estágio, a esperança é a última que mata.
Há duas semanas, quando o brasileiro inquietava-se com a falta de vacinas, o coronel Elcio Franco, número 2 na hierarquia da Saúde, declarou num vídeo que "seria irresponsável darmos datas específicas para o início da vacinação, porque depende de registro" na Anvisa. O sonho da vacina certificada ainda não foi realizado. Mas o governo acaba de realizar o pesadelo da falta de seringas. Numa licitação para a compra de 331,2 milhões de seringas, amealhou 7,9 milhões.
O almoxarifado vazio encheu de irresponsabilidade a oratória do braço direito do general Pazuello. Mesmo desaparelhado, o coronel Elcio animou-se a fixar um calendário para a vacinação. O planejamento oficial ainda não permite à plateia saber quando chegará a sua vez. Mas o brasileiro pelo menos já pode raciocinar com hipóteses, desde as mais amplas —na pior das hipóteses o vírus vai me matar, na melhor das hipóteses não— até as mais específicas.
No caso do que nos espera com a gestão de Mãe Joana na Saúde, o leque de hipóteses é enorme, já que ninguém sabe o que foi feito da fama de mestre em logística que costumava ser atribuída ao general Pazuello. "Na melhor hipótese, nós estaríamos começando a vacinação a partir do dia 20 de janeiro", disse o coronel Elcio, com gelatinosa firmeza. "Num prazo médio, entre 20 de janeiro e 10 de fevereiro. E, no prazo mais longo, a partir de 10 de fevereiro."
Dias atrás, ao discursar na cerimônia de lançamento de um plano de vacinação arrancado a fórceps em parto conduzido pelo Supremo Tribunal Federal, o pseudoministro Pazuello sapateou sobre os esquifes da pandemia: "Somos os maiores fabricantes de vacina da América Latina. Pra quê essa ansiedade, essa angústia?".
Nesta semana, Bolsonaro declarou que não cabe ao governo ir atrás de vacinas. Os fabricantes é que devem fazer fila na Anvisa. Onde já se viu negligenciar um "mercado consumidor" gigantesco, com "210 milhões de habitantes."
O coronel Elcio, estufando o peito como uma segunda barriga, ecoou o capitão: "O Ministério da Saúde, enquanto Ministério da Saúde, tem feito a sua parte. Fizemos o plano [de vacinação], estamos com a operacionalização pronta, nos preparando para esse grande dia. Mas precisamos que os laboratórios solicitem o registro."
Sob o comando de Mãe Joana, como se vê, o Ministério da Saúde virou uma pasta de ficção, gerida por gênios incompreendidos. Há apenas dois problemas: 1) a diferença entre a genialidade e a estupidez é que a genialidade tem limites; 2) a ficção é muito confortável, mas a realidade ainda é o único lugar onde se pode obter vacinas e seringas.
Por Josias de Souza
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