segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Bolsonaro e centrão evoluem para o matrimônio



O namoro de Jair Bolsonaro com o centrão evolui para o estágio do matrimônio. A pretexto de assegurar a "governabilidade", os partidos que integram o grupo se equipam para reestruturar em 2021 o projeto centrão de poder. Baseia-se numa prática antiga: a ocupação predatória do Estado.

Na fase do namoro, que já dura cerca de seis meses, o centrão instalou-se dentro de cofres do segundo escalão. Seus caciques esperam agora receber de Bolsonaro as chaves de ministérios. As pulsões fisiológicas latejam ao redor da candidatura de Arthur Lira (PP-AL), que disputa o comando da Câmara com o apoio do presidente.

Suprema ironia: no formato atual, o centrão foi unificado num contexto de sucessão interna. Na origem, chamava-se blocão. A junção de interesses foi articulada em fevereiro de 2014 por Eduardo Cunha, então líder do MDB. Convertido em presidente da Câmara, Cunha cercou e asfixiou a gestão de Dilma Rousseff.

A derrocada de Cunha, hoje um presidiário da Lava Jato, estimulou a fantasia de que o centrão derreteria. Entretanto, a estrutura colecionada pelo grupo na engrenagem governamental deslizou suavemente da administração petista para a gestão de Michel Temer.

Crivado de denúncias, Temer pagou com o déficit público a fatura apresentada pelo centrão para enterrar na Câmara um par de denúncias criminais formuladas contra ele pela Procuradoria-Geral da República. Egresso do PP, mesmo partido de Arthur Lira, Bolsonaro usou a perversão política como mote.

Toda campanha eleitoral tem um quê de teatro. A teatralização da sucessão de 2018 viveu um momento inusitado quando Bolsonaro criticou o então rival tucano por encostar a candidatura no centrão. "Obrigado, Geraldo Alckmin, por ter unido a escória da política brasileira", declarou em julho de 2018.

Bolsonaro apenas cuspia num prato em que o centrão não permitiu que ele comesse. Na semana anterior, frustrara-se a tentativa de firmar aliança com o PL (ex-PR). Planejava-se fazer do então senador Magno Malta (PL-ES) o vice de Bolsonaro.

O ex-presidiário e mensaleiro Valdemar Costa Neto, dono do PL, preferiu se entender com Alckmin. Mandachuva do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), cliente de caderneta da Lava Jato, também cedeu o tempo de propaganda eleitoral do seu partido para o tucano. Hoje, Valdemar e ciro acertam-se com Bolsonaro.

No DNA do centrão está gravada a expressão "é dando que se recebe". Retirada da oração de São Francisco, passou a simbolizar uma prática profana: a exigência de vantagens —lícitas e, sobretudo, ilícitas— em troca de apoio político no Legislativo. Quem lançou a moda foi o deputado Roberto Cardoso Alves (1927-1996), do PMDB de São Paulo.

Robertão, como era conhecido na intimidade, inaugurou a facção franciscana do fisiologismo em março de 1988. Na época, o Congresso Constituinte discutia a prorrogação do mandato do então presidente José Sarney para cinco anos. Foi dando que Sarney recebeu. A moda perdura até agora.

No intervalo de três décadas, o vocábulo "governabilidade" ganhou um sentido gangsterístico. Virou um outro nome para corrupção. Serve de álibi para que políticos invadam os cofres públicos. A anomalia marcou todos os governos desde a redemocratização. Ganhou escala industrial sob Lula e Dilma.

Imaginou-se que a Lava Jato, encurralaria o pedaço mais arcaico da política. Em maio de 2016, quando tomou posse, Temer disse, em discurso: "A moral pública será permanentemente buscada" no meu governo. Afirmou que a Lava Jato, "referência" no combate à corrupção, teria "proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la."

As palavras de Temer viraram pó. Ou lama. Candidato, Bolsonaro enrolou-se na bandeira da Lava Jato. Eleito, levou para sua equipe Sergio Moro, símbolo da força-tarefa de Curitiba. Hoje, Moro é ex-ministro e Bolsonaro tornou-se ex-Bolsonaro.

Seis anos de combate à corrupção fizeram do Brasil o local ideal no mapa para o surgimento de um país eticamente renovado. Imoralidade não falta. Ao sedimentar seu relacionamento com o centrão sem levar à vitrine nada que se pareça com interesse público, Bolsonaro sinaliza que deseja proteção, não reformas.

Se a história da política brasileira ensina alguma coisa é que matrimônios como o de Bolsonaro com o centão, marcados pela politicagem, tendem a evoluir para o patrimônio.

Por Josias de Souza

Um comentário:

AHT disse...

A SURREAL REPÚBLICA DO PAU MANDADO


Ideólogos, políticos, empresários e governantes corruptos estavam temerosos com os novos tempos. Alguns revoltados e reclamando que a grana “extra” estaria ficando insuficiente não apenas para aumentar seus patrimônios, também para sustentar o ócio e luxo de familiares e agregados e, para alguns, seus indispensáveis currais eleitorais.

Cúmulo da ironia? Embora pedidos do povo e suas necessidades mal sejam atendidas pelo Estado, mesmo que façam preces, incrivelmente os insatisfeitos corruptos foram notados e mereceram pronta atenção. Um inexplicável fenômeno sinalizou e enviou telepaticamente uma mensagem para todos esses caras. Tratava-se de uma convocação informando objetivos, instruções, data, horário e local para apresentação.

Antes de rumarem para o inédito encontro, deixaram de lado suas preciosas cartilhas e livros de doutrinas e teorias. Outros, nada teóricos, deixaram de lado seus livros de bolsos sobre persuasão, arte da negociação, influenciar pessoas e ser bem sucedido. Os não afeitos a leitura foram alertados que não fizessem arminhas, nem coraçõezinhos, muito menos eloquentes discursos durante o decorrer desse encontro e intercâmbio de conhecimentos especiais para a lida política e patrimonial público-privada.

Corajosamente, na data e horário, todos compareceram ao local secreto e protegido contra invasões da Lei e da Ordem. Esse surpreendente encontro iniciou e terminou em clima de esfuziante confraternização, juras de lealdade e companheirismo, selado com pacto de sangue entre todos os presentes.

A partir desse marco zero, ao voltarem para seus locais de origem todos passaram a confabular e articular ações e parcerias, sempre mantendo o princípio do ganha-ganha, além de acurados cuidados tipo reuniões somente entre quatro paredes; sem celulares, câmeras e microfones ocultos; segurança total contra intrusos.

O resultado desse intercâmbio e entendimentos entre tantas personalidades aparentemente inimigas, começaram a surgir a partir do início do século XXI. Primeiro, foi a vez do vermelhismo colocar em prática os conhecimentos e técnicas aprendidas no memorável encontro. Contudo, derrotados após quatro mandatos, passaram o bastão para o verde-amarelismo; porém, com know-how e modus operandi necessitando urgentes aperfeiçoamentos, em reação às ações de uma operação que saiu do controle e abalou severamente o vermelhismo.

A sociedade regozijava e acreditava que a corrupção estaria com os dias contados e, motivada, começou a se fazer presente e pressionando os Poderes da República. Corruptos foram indiciados e condenados; porém, tempos depois alguns foram casuisticamente liberados da prisão, outros foram contemplados por acordos de delações premiadas.

Sob pressão, a Constitucional casa ficou aturdida pelas críticas contra certas decisões envolvendo membros de outros poderes. Alguns ministros pensaram em reagir e evitar o descrédito institucional. Um deles sugeriu uma contundente frase para leitura em plenário. Desistiram da ideia, temerosos que um ato falho acontecesse; por exemplo, no momento da leitura da frase no teleprompter, se o digitador errasse e os ministros, em uníssona voz, lessem e cometessem uma desastrosa gafe: “Ou nos libertam, ou ninguém mais estará acima da Lei!”.

Confiante que o cenário não seria desfavorável, o mandatário verde-amarelista se aproximou de crupiês do Centrão do surrealista Congresso, fazendo acordos criticados por todos que acreditaram que tais fatos não aconteceriam com a nova política prometida antes das eleições. Prevaleceu o pactuado no século passado: manter os três rabos presos em uma corrente com três extremidades, um perfeito “Y” representando os Poderes.

Promessas e farsas, priorização de interesses escusos. Desprezíveis avanços sociais e econômicos, grandes e irreparáveis prejuízos à Nação. Isso é real, é trágico.


AHT
13/12/2020