quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

A Anvisa não precisa aprovar nada! O papel do STF e o cabeleira da "orgia"



Como todo tirano ou sabujo de tirano, Eduardo Pazuello pensa que manda muito. Mas não manda nada. Como ele já evidenciou em entrevista, não é dono nem mesmo de uma opinião. Seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, cassou-lhe até a condição de pessoa de palavra, que é o que todos os decentes ambicionamos ser.

Ele fala, ele promete, ele assina documento, e o outro o humilha desfazendo tudo. Truculento com João Doria e com os demais governadores, é servil com aquele que o alçou a uma condição muito além de suas sandálias: "Uns mandam, e outros obedecem", resumiu com servilismo constrangedor.

Pois é. Na Saúde, não é assim. Se o Supremo Tribunal Federal não fosse presidido, no momento, por um senhor que tem ideias mais exóticas do que a cabeleira que a natureza não produz sozinha, o general truculento e incompetente não estaria a ameaçar os brasileiros.

O ministro Luiz Fux, no comando do STF, já deveria ter deixado claro que é a Constituição que rege o direito dos brasileiros à saúde e os deveres do governo na área. Acalmaria o apetite dos homicidas.

Até porque há lei sancionada pelo próprio Bolsonaro que prevê imunização em massa mesmo sem a aprovação da Anvisa, aquele valhacouto de milicos de pijama.

Fux, no entanto, está ocupado demais com a produção de proselitismo barato, compensando com retórica agressiva a sua óbvia incapacidade de liderar um Poder da República em momento de crise. Como nós vimos nesta terça, o homem está dedicado a fazer digressões sobre "orgias legislativas" em vez de pôr um freio no Fanfarrão Minésio do Planalto.

Pela ordem. A saúde é direito dos brasileiros e dever do Estado, segundo prescreve e regula a Constituição nos Artigos 6º, 196, 197 e 198. Uma vacina só deve ser aplicada, segundo as regras do jogo, depois da certificação da Anvisa. É domínio do governo federal. E é correto que assim seja. Essa é a regra. Desde que a Anvisa... siga as regras.

Quem exerce o controle de constitucionalidade — e, por extensão, de legalidade: vai do macro ao micro; da lei maior à legislação ordinária — é o STF. Se o general pançudo, o Leporello do Dom Giovanni da Zona Oeste do Rio, resolver optar pela morte dos brasileiros, criando dificuldades artificiais para que se ministre a Coronavac — em princípio, à população de São Paulo —, caberá ao Supremo determinar a vacinação. E ponto final. Ou onze ministros do tribunal renunciarão à Constituição e assistirão, impassíveis, à morte em massa de cidadãos?

E, convenham, nem precisamos chegar a esse extremo. Basta que os brasileiros reivindiquem o seu direito de não adoecer, havendo um meio para isso, e que exista um governo que sabote esse direito para que se esteja diante de uma questão constitucionalmente regulada. Fim de conversa.

Aos senhores ministros, bastará haver um atestado científico de que a Coronavac tem a eficácia necessária para a levar à imunização em massa. E ponto final.

A LEI E A DESNECESSÁRIA ANVISA

Bolsonaro é ignorante demais para saber o conteúdo das coisas que assina. Até outro dia, estava por aí a vociferar que a vacina não pode ser obrigatória. Ele se esqueceu do conteúdo do Inciso III do Artigo 3º da Lei 13.979, que ele mesmo sancionou. Ali está escrito que, no âmbito de sua competência, as autoridades podem tornar obrigatórios os seguintes procedimentos: a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas; e) tratamentos médicos específicos.

A lei diz ainda mais no Inciso VIII do Artigo 3º. No âmbito de sua competência, as autoridades podem dar (transcrevo trecho da lei):
VIII - autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus, desde que:
a) registrados por pelo menos 1 (uma) das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras e autorizados à distribuição comercial em seus respectivos países:
1. Food and Drug Administration (FDA);
2. European Medicines Agency (EMA);
3. Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA);
4. National Medical Products Administration (NMPA)

§ 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.

Assim, meus caros, mesmo sem a autorização da Anvisa e nem mesmo determinação do Supremo, a vacinação em massa poderia ocorrer em São Paulo, por exemplo, desde que ao menos um desses órgãos certificasse a sua eficácia.

Mas que se note: a Constituição confere ao Supremo o poder de autorizar a vacinação em massa ainda que não se tenha nenhuma dessas certificações específicas, bastando que a ciência aponte a segurança do imunizante.

Sim, é uma aberração que se precise chegar a isso para fazer o óbvio, o necessário, o decente. Mas assim são os tempos.

O presidente do Supremo deveria estar empenhado em tranquilizar a população. Nem precisaria discorrer sobre minudências da questão legal. Bastaria dizer: "O STF fará a coisa certa, de acordo com o que prevê a Constituição". E pronto. O estafeta de caserna iria se acalmar, bem como o capitão indisciplinado, que foi chutado do Exército.

Mas Fux dedica o tempo a criar metáforas orgíacas para tratar da questão legal, preferindo medir forças com colegas de tribunal. Quando não está cantando as glórias de Sergio Moro, este empresário e consultor honrado.

Homem errado no lugar errado e na hora errada.

O problema não está, claro!, naquela cabeleira que a natureza jamais produziria por conta própria. Mas no que vai por baixo dela.

Por Reinaldo Azevedo

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