segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Datafolha: por que Bolsonaro continuará a discursar sobre cadáveres



E o presidente Jair Bolsonaro, segundo o Datafolha, segue no melhor da sua forma, mesmo com a segunda onda de Covid-19. Ela ainda não abalou o seu prestígio. É o pior desempenho de um presidente no fim do segundo ano do primeiro mandato desde Collor. E daí? É o melhor que ele conseguiu, mesmo sobre uma montanha de quase 200 mil cadáveres. Acham seu governo ótimo ou bom 37% dos entrevistados pelo Datafolha, mesmo número de 12 de agosto. Os que consideravam a gestão ruim ou péssima oscilaram de 34% para 32%, e foi de 27% para 29% os que a veem como regular.

O auxílio emergencial, que está chegando ao fim, ainda deixa a sua marca. Em agosto, a reprovação ao presidente despencou no Nordeste: de 52% (em junho) para 35% — agora, 34%. Nas regiões Centro-Oeste e Norte, a aprovação é de 47%. O Sul marca 39%, e o Sudeste, 36%. Nas regiões metropolitanas, 40% acham a gestão ruim ou péssima, contra apenas 26% no interior.

Bolsonaro sabe o peso que tem o auxílio emergencial na melhora da sua imagem. Estuda uma maneira de ampliar o rebatizado Bolsa Família para compensar o fim do benefício. Até agora, não se conseguiu fazer uma mágica que concilie esse propósito com a manutenção do teto de gastos.

O povo tem lá suas contradições, né? Só 21% dizem confiar em tudo o que diz o presidente. Dada a quantidade formidável de asneiras, é um percentual gigantesco, ainda que, em si, seja magro. Convenham: quem confia em Bolsonaro certamente (re)vota em Bolsonaro, certo? Fica aqui uma dica para os que vão tentar tirá-lo de lá pelo voto.

Nunca confiam no presidente 37%, e 39%, só às vezes. Dados os índices de aprovação, há uma parcela que não dá o menor crédito a ele — ou só o faz de vez em quando — e, ora vejam, mesmo assim, acham seu governo ótimo ou bom.

Alguns cortes específicos merecem destaque. Lembram-se daquele tempo em que havia um voto meio envergonhado no ogro, especialmente entre empresários? Pois é... Sempre vinha a desculpa: "Ah, é que voto contra o PT". Nunca caí nessa conversa porque havia, por óbvio, outros candidatos de direita e de centro-direita. Escrevi muitas vezes no primeiro turno de 2018: "Ora, então vote no Alckmin, no Meirelles, no Amoedo. Até no Ciro. Está à esquerda, mas não é o PT que vocês tanto temem".

Tratava-se obviamente de uma mentira: votavam em Bolsonaro não porque ele fosse a contenção possível contra a esquerda. Também não confiavam na sua competência porque seus discursos eram um misto de afasia, anacolutos e coisas absolutamente incompreensíveis

Os reaças delirantes gostavam, de verdade,! das obscenidades ideológicas que dizia: da homofobia; da misoginia; do desrespeito aos pobres, aos negros e aos índios; da patologia antiambientalista; do discurso armamentista. E continuam a gostar. Só isso explica que 58% dos empresários achem o seu governo ótimo ou bom.

Ótimo e bom em quê?

Que a aprovação a Bolsonaro tenha crescido entre os mais pobres, bem, isso é compreensível. Mas qual é a competência específica que faz quase 60% dos empresários afirmarem que o governo nem regular é, mas "ótimo ou bom" mesmo? É um despropósito que só o reacionarismo mais abjeto explica. Não por acaso, temos uma das elites mais mal educadas do planeta, seja em seu próprio território, seja quando ia gastar dólares mundo afora.

A economia vai crescer no ano que vem a níveis aceitáveis porque o mundo também vai. Sem auxílio emergencial, que só a ampliação do Bolsa Família não compensa, o humor pode piorar um pouco entre os pobres, elevando a rejeição. Demora até que os efeitos da expansão da economia cheguem aos empregos de maneira a compensar os estragos havidos. Também virão tempos de estresse com a vacina. E a incompetência do governo não poderia ser mais vistosa e até truculenta.

Mas Bolsonaro sabe o que faz quando mantém seu discurso homicida sobre a vacina. Querem ver? Entre os que enxergam o óbvio — a Covid-19 voltou a crescer a níveis alarmantes —, 43% dizem nunca confiar em Bolsonaro (só 15% confiam sempre). Entre os que acham que a coisa está melhorando, 38% dizem confiar, e 20% não. Já entre os negacionistas ensandecidos, que dizem nem ter mudado sua rotina, 54% sempre acreditam no que diz o seu capitão.

Essa gente forma o núcleo duro do bolsonarismo, que garante ao presidente — a menos que um míssil na área policial colha sua família — uma boa largada em 2022. Como a gente nota, esses valentes não querem saber de economia, vacina, eficiência administrativa, nada. Precisam da ração diária de ódio e de boçalidade que o Planalto fornece.

Isso alimenta o seu, por assim dizer, espírito.

Por Reinaldo Azevedo

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